segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Glossário do Caos Aéreo (ou: "Desde que Muprhy virou controlador de voo")

Passageiro revoltado na fila do check-in Rio-São Paulo
A volta para casa da folga de fim de ano (ou de qualquer outra) é sempre uma alegria quando você vai de avião, atividade que, no Brasil, ficou muito mais emocionante nos últimos anos. Diante dessa nova realidade que é o "caos aéreo" constante, são muitas as expressões novas ou que ganham todo um novo significado quando o cidadão desavisado entra no aeroporto. Para ensinar esse novo passageiro a se virar nesse cenário, seguem aqui as traduções de algumas expressões comumente usadas neste setor, em que tudo o que não poderia dar errado dá.

Aparelho eletrônico: aqueles que interferem no sinal dos equipamentos do avião até as empresas começarem a cobrar por ligações e acesso à internet em seus voos. E aquele seu vizinho de poltrona com iPad nunca desliga mesmo.

Assentos flutuantes: uma piadinha das companhias aéreas. Afinal, alguém já soube de alguém que foi salvo por assentos que boiam? E alguém já disse "ufa" depois que algum comissário disse que os assentos boiam? Eu não me incomodaria se os assentos fossem de espuma comum e as empresas gastassem a diferença em manutenção das aeronaves.

Assentos livres: salve-se quem puder.

Assentos marcados: uma ficção das companhias aéreas. Se você der sorte, comprará passagem para o mesmo modelo de aeronave em que embarcará. Do contrário, aproveite para interagir com os outros passageiros discutindo quem é dono de que lugar e fazer amigos. Ou inimigos.

Atraso: qualquer período acima de duas horas. Algo que só não vai acontecer se você tiver lugar para sentar e estiver precisando de tempo para escrever alguma coisa genial para o seu blog. Se estiver com pressa, saque o notebook da mochila.

Caos aéreo: um nome criado para parecer que os problemas também são passageiros. Um bom nome para não precisar escolher um culpado só (ou para não ter um só culpado) por tudo o que dá errado durante o trajeto de uma pessoa que só quer embarcar num lugar e chegar ao outro.

Classe C: também conhecida como a "nova classe média", foi eleita como uma das culpadas pelo caos permanente nos aeroportos, ainda que tenha acabado de chegar no aeroporto e não haja registros de qualquer representante do segmento que seja proprietário de companhias aéreas ou terminais de voos.

Companhias aéreas: entidades superiores que não têm culpa de nada.

Confirmado: esse voo não sai com menos de uma hora de atraso.

Copa do Mundo: é o novo ponto final. Quando qualquer coisa der errado (e vai dar), é só dizer "quero ver isso na Copa". Aceita variações como "não quero nem ver na Copa", "imagina na Copa" e "que vergonha vai ser na Copa".

Despacho de bagagem: decisão da qual você se arrependerá durante todo o restante da viagem. Ou da vida. Tem esse nome por isso, porque só com muita macumba para seus pertences chegarem intactos até o fim do trajeto.

Despressurização da cabine: fodeu.

Embarque próximo: mensagem que aparece se você estiver com fome e vontade de ir ao banheiro. Ao mesmo tempo. Mas só vão chamar mesmo o seu voo quando você desistir de esperar na fila e já estiver na cabine do privativo. Fique feliz se conseguir ouvir o som do alto-falante na hora. No horário mesmo, o voo só vai estar se você, e só você, estiver atrasado(a).

Infraero fazendo seu trabalho e dizendo que não tem nada a ver com isso
"Féshteniórcitibélti": "aperte os cintos de segurança", em inglês de comissário de bordo brasileiro. A frase completa é: "Diz iz fláite nãmber, fór síquis tiú náine, plís féshten iórciti bélti éndi púti de trêi têibou in de âpirraite posichion". Târnófi de eletrônique divaisses ivén ifi in fláiti môudi. Tênqui iul for tchuzim Gol/Tam/Avianca/Azul/Varig/Vasp/Transbrasil".

Galeão: é aeroporto. Mas pode chamar de rodoviária de estrada mesmo.

Horário de embarque: é, no máximo, com sorte, o horário no qual você vai embarcar no ônibus que te levará para a aeronave.

Infraero: empresa responsável por dizer que não é responsável por nada disso aí.

"Lembre-se dos pertences trazidos a bordo": porque, quanto aos despachados, não há nada mesmo que você possa fazer.

"Low fare, low cost": expressão em inglês para empresas de "baixo custo, baixa tarifa", que algumas empresas brasileiras juram ser, só esqueceram de baixar os preços, pois a qualidade do serviço e o espaço nos assentos já são reduzidíssimos. As empresas brasileiras estão mais para "not fair" (não justas).

Olimpíadas: tá, se a Copa der certo, duvido que as Olimpíadas funcionem com um aeroporto como o Galeão no Rio.

Ônibus: o que você lamenta não ter pego quando achou que era mais rápido ir até Guarulhos para pegar um voo para o Rio. Mas sempre tem um para te levar para o avião, ou para uma sala de embarque no meio da pista, quando você acha que já vai entrar no avião.

Overbooking: é, é isso mesmo. Na sua padaria, Seu Manoel não pode vender pão se não tiver para entregar, mas companhia aérea pode vender o que não tem. Esse nome bonito, em inglês, significa isso, que elas venderam mais lugares do que tinham. Esse problema acaba quando a Anac parar de bobagem e permitir que os passageiros viagem em pé.

Pão-de-queijo: qualquer coisa que custe R$ 6. O preço deve ser porque eles fazem cada pão-de-queijo na hora (é o que podemos chamar, portanto, de "atendimento personalizado"). Bem, só isso justificaria a demora que algo tão simples leva para ser entregue ao cidadão em qualquer lanchonete de aeroporto.

Passageiro: se você conseguiu superar todos os outros obstáculos criados para saber se você quer mesmo viajar, e chegou até aqui, este pode ser o seu teste final para saber se você está preparado(a) para a aviação civil (que, no caso, de civilizada, não tem nada) brasileira. É o passageiro que acha que pode colocar o pé na poltrona da frente, que o número da poltrona dele é só parte de um sorteio de bingo, e que ele pode sentar em qualquer lugar, ou que acha que todo mundo do voo tem que esperar ele guardar no bagageiro interno superior o berimbau que ele comprou na feira hippie.

Piso inferior: repare na forma como eles destacam a palavra "INFERIOR", parecendo que estão falando claramente de você, quando vão avisar que o seu portão de embarque mudou para um que fica no andar assim chamado. Significa que você está na merda. Comprou passagem para ir de avião, mas vai viajar é de ônibus mesmo. Pelo menos, até o avião, que estará atrasado, claro.

Ponte aérea: lugar de encontrar gente famosa e gente que acha que é. Além de tirar foto para colocar no Facebook, você pode usá-los para lhe dar a sensação de segurança. Afinal, não pode acontecer nada num voo em que está o ex-BBB 18. Aí, você lembra que pode, sim.

Pousar na água: outro eufemismo para "fodeu". A não ser que você esteja com aquele piloto que pousou no Rio Hudson, perto de Nova York, que deve ter sido o primeiro da história a conseguir fazer isso. Acredite: você não vai querer testar se os assentos flutuam mesmo ou não.

"Corredor, janela ou parede, senhor?"
Previsto: se a tela informa que o seu voo está "previsto", meu amigo/minha amiga, é melhor sentar e relaxar (no chão, provavelmente), pois isso significa "não fazemos ideia do horário em que o avião vai chegar". Você acredita em previsão do futuro? É a mesma coisa, só que com menos chances de acerto. Tenha fé.

Problemas na aeronave: algo de que você não quer saber detalhes.

Puxadinho: é possível explicar para um gringo: o samba, a caipirinha, o Maluf, e até o minhocão. Mas isso, não. Estamos a caminho das salas de embarque infláveis, acredite.

Raio X: máquina com poder de transformar as pessoas em volta em idiotas, que só percebem que as moedas do bolso e o celular são feitos de metal quando chegam em frente ao detector de metais. Algumas, só depois que passam no aparelho. Se houvesse teste psicotécnico antes de voar, os voos estariam vazios no Brasil. Seria o fim do caos aéreo.

Refrigerante: igual ao pão-de-queijo, só que líquido. Dentro do avião, só meio copo mesmo.

Reposicionamento da aeronave: mentira que as companhias aéreas contam para dizer que, enfim, escolheram o seu portão de embarque no bingo que elas fazem para escolher o número que sairá no seu cartão de embarque e, invariavelmente, não guardará qualquer relação com a realidade. Claro que isso não quer dizer que, após o tal "reposicionamento", o seu avião não possa mudar de portão algumas outras vezes. Não acredite no número que vier impresso no seu cartão, ele é só seu número da sorte, coisa que, se você tivesse mesmo, não era brasileiro(a), ou não dependeria do serviço aeroportuário deste país.

Restituição da bagagem: momento mais emocionante da sua viagem, para onde quer que seja. Tem todos os ingredientes de uma boa aventura: dúvida, risco, adrenalina, perigo, tensão, suor, torcida, ansiedade e, eventualmente, alívio. Nome dado provavelmente em homenagem ao Imposto de Renda, que provoca as mesmas emoções.

Salão de embarque: parece um banheiro de estrada, onde nada funciona e tudo é caro, mas é um lugar onde todas as emoções podem acontecer. Quando você menos esperar, pode ver uma multidão correndo em sua direção e não é porque o Justin Bieber chegou em Guarulhos, mas porque o portão de embarque do voo sofreu a 14ª alteração.

O conforto fica claro quando nem a bandeja cabe atrás da poltrona
Serviço de bordo: uma bolachinha seca de alguma marca genérica, dessas que vendem por menos de R$ 0,50 na Central do Brasil, ou (eu disse "ou") um pacote de amendoim de 15 gramas (aproximadamente, cinco bolinhas) que mais ofendem, dão fome e secam a garganta (o gole de refrigerante oferecido com meia pedra de gelo não dá conta) do que qualquer coisa. Também, ninguém mandou reclamar das barrinhas de cereais ou das torradinhas sem graça da Bauducco.

Serviço de bordo pago: para você que reclamava do lanchinho sem graça aí de cima, agora, em determinados voos (mais precisamente, alguns da Gol), você precisa pagar para tomar até água. Coisa de país desenvolvido, que tem empresa "low fare, low cost" (baixa tarifa, baixo custo). Só esqueceram de explicar para a Gol que você precisa ter baixa tarifa antes.

Solo: a "aeronave encontra-se em solo" singnifca apenas que "o avião chegou, mas continuamos sem a menor ideia da hora em que você vai embarcar". Mas, chamando de "aeronave" e "solo", fica mais chique.

Tom Jobim: segundo nome do aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Dizem que era para ser uma homenagem, mas não parece. Se eu fosse da família do compositor, pedia para tirarem o nome da família, e colocar de algum dos ilustres governadores ou prefeitos recentes do Rio, que ajudaram o aeroporto a chegar nesse estágio deplorável.

Última chamada: é o status do seu voo imediatamente após o "embarque próximo". Mais uma tentativa das companhias aéreas de dar mais emoção à sua vida e te proporcionar uma vida saudável dando aquela corridinha no aeroporto que você não teve tempo de fazer na academia, pois teve que ir para o aeroporto quatro horas antes do horário em que o seu voo iria de fato sair. Boa viagem.

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3 comentários:

  1. Boa, Jorge! A foto da Infraero investindo em campanha pra dizer que não tem nada com isso é emblemática. Só não gostei da crítica ao cara com iPad do lado. Pô, esse sou eu...

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  2. Deve ser por tudo isso que os restaurantes e lanchonetes nos aeroportos são tão tão lentos... Eles sabem que não adianta ter pressa na hora de voar. Nós com medo de atrasarmos, e eles rindo da nossa cara, demorando uma hora e quarenta e cinco minutos para trazer aquele pão de queijo que você já pagou há duas horas.

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  3. Sensacional,"quando a anac parar de besteira e deixar viajar em pé"

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