domingo, 5 de março de 2017

Mulheres-objetos


Como um fã de trocadilhos (me julguem), eu sempre fiquei intrigado com o quanto os nomes de algumas profissões denotam o machismo inerente a elas, como se fosse um surpresa serem exercidas por mulheres em algum momento da história. E talvez seja mesmo. Como se às mulheres coubessem apenas as carreiras de "dona de casa" e "empregada", já que ambas mudam completamente de sentido quando passadas para o masculino.

Da mesma forma, no sentido inverso, quando uma mulher quer ter a mesma profissão de um músico, por exemplo, a ela resta ser chamada de "música" e, assim, ser igualada ao seu objeto de trabalho. Há quem diga ainda que é possível usar o péssimo "musicista", que serve igualmente para homens e mulheres, embora eu duvide que quem sugere isso utiliza tal substantivo para falar de músicos homens. (Não, chamar a classe de "músicos mulheres" não resolve. Definitivamente, não.)

Enquanto um homem pode se tornar técnico em alguma coisa, a mulher será a própria "técnica". Um homem pode se tornar um político, mas uma mulher será, no máximo, uma "política", o que hoje em dia não é lá muito elogioso.

Se um homem pode ser crítico de cinema, a mulher que tiver a mesma atividade será reconhecida como a própria "crítica", sem que isso seja considerado uma ofensa a ela. Um representante do gênero masculino que passe no concurso público para os Correios poderá virar carteiro, mas só a mulher será chamada de "carteira", mesmo que ela ganhe menos do que o homem que desempenha a mesma profissão.

Você entrega seu carro ao mecânico, mas só pensa na "mecânica" quando se refere à técnica a ser empregada (olha elas aí de novo) em sua oficina. Um torneiro (mecânico, se quiser ser lembrado por todos, pode ainda virar Presidente da República. Já da "torneira", só lembramos quando a água acaba. Por isso mesmo, elas estão em alta hoje.

Um homem que decida animar festas infantis até poderá se tornar um mágico, mas a mulher terá que se transformar na própria mágica para ter a mesma atividade. Da mesma forma, ocorre com a química, a física e matemática, todas mulheres e referidas com letra inicial minúscula, inferior às próprias disciplinas acadêmicas que dão nome às suas profissões.

Mesmo quando falamos de profissões "tipicamente" femininas considerando o padrão conservador, as mulheres são confundidas com objetos. Nas escolas de horário integral, quem faz a refeição das crianças são as merendeiras. Nas escolas particulares, são elas que transportam o lanche da molecada, que as carrega penduradas pelas mãos. Quando aparece um "merendeiro", ele rapidamente é alçado aos títulos de "cozinheiro" ou "chef de cozinha".

O preconceito se manifesta mesmo em profissões menos valorizadas: enquanto o homem que trabalha em portaria é chamado de porteiro, a mulher que desempenhar a mesma função será equiparada à própria "porteira" do prédio. Um homem pode ser churrasqueiro, embora seja a churrasqueira quem faz o trabalho duro. Não à toa, é o mesmo título que será dado à mulher que se atrever a assumir os espetos e facões para assar uma carne no domingo. Isso, sem falar no lamentável equivalente feminino para "lixeiro".

Até quando não há flexão de gênero no nome da profissão, há confusão. No mesmo edifício do porteiro e da porteira, podem trabalhar seguranças homens e mulheres. Mas, quando alguém falar "a segurança", será preciso um esforço a mais de compreensão para o ouvinte entender que estão falando de uma pessoa, e não do serviço prestado.

Não à toa, para assumir o comando de um país de regime presidencialista, a mulher se vê em dúvida sobre que nome dar ao próprio cargo, para não correr o risco de ser confundida com os antecessores, mas também para marcar posição, ao não utilizar o mesmo nome usado por eles.

Nisso, aliás, o Jornalismo é uma das profissões mais igualitárias que existem, assim como a Economia e outras carreiras que são exercidas por profissionais cuja designação é encerrada em "istas", como desenhista, artista, dentista, acupunturista, e por aí vai.

Mas, só no Jornalismo, carreira em que as mulheres já predominam e em que todos são chamados igualmente de "jornalistas", a igualdade chegou aos salários, já que, sob essa desculpa, tanto homens quanto mulheres ganham igualmente mal.

Neste Dia Internacional da Mulher, só desejo que as mulheres deixem de ter suas carreiras confundidas com trocadilhos, e que ninguém mais se surpreenda quando uma mulher disser que ela pode ser tudo o que ela quiser.

Outras homenagens:
Feliz Dia do Homem!
Nesse Dia da Mulher, nosso "obrigado, Buscopan!"
Feliz Adversário, Rio!
Máximas (e mínimas) do Jornalismo
Resoluções para o Ano Novo
Natal é tempo de...
Feliz Natal, Rio! Feliz Natal, São Paulo!
Feliz Dia da República!
Feliz Dia do Zumbi!
Viva o Dia das Crianças!
Feliz Dia dos Irmãos!
Feliz Dia dos Pais
Feliz Dia do Rock(y)
Dia do Amigo
Homenagem para o Dia das Mães
Para o Dia dos Namorados
Tecnologia para Leigos

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Rio x São Paulo: Manual de Adaptação

Para uma lista ainda mais completa e bem-humorada de diferenças entre cariocas e paulistanos, leia Ponte Aérea - Manual de Sobrevivência Entre Rio e São Paulo, disponível nas melhores casas do ramo, no site da editora (Matrix) e em e-book no Kindle, no iBooks (Apple iTunes), no Google Play (Android) e no Kobo.

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Muito se fala sobre as diferenças entre Rio e São Paulo, brincando (na verdade, sacaneando) um com o sotaque do outro, mas as discrepâncias entre essas duas tribos vão muito além de falar "bishcoito" ou "bôlacha", das gírias, do chiado de um, da fala anasalada do outro, da presença da praia em uma cidade, ou sua ausência na outra. As semelhanças também. Nesses 458 anos de São Paulo, segue uma modesta lista de motivos que mantêm distantes essas duas aldeias separadas pela Dutra e que pode ajudar na adaptação do cidadão natural de uma cidade na terra do outro.

Açougue
Carioca vai morrer de fome em São Paulo se ficar esperando na TV os anúncios estridentes de "chã, patinho e lagarto" (lidas como uma palavra só, simplesmente, "chã-pati-nhelagarto"). Em São Paulo, você só vai encontrar à venda "coxão mole" e "coxão duro", embora refiram-se exatamente às mesmas partes do boi.

Apelidos
Enquanto o Rio será eternizado na crônica policial por nomes no diminutivo para a sua bandidagem (e não só ela), os mais chegados podem se chamar de qualquer apelido constrangedor ou alguma gíria em inglês, tipo "brother", além dos imortais "cumpadi", "cara", "bicho" e "mermão". Paulistanos, embora tenham dificuldade para se tornar íntimos, te dão logo um apelido, para o qual só usam a primeira sílaba, não importa quantas letras o nome que seus pais te deram tenha (talvez por terem pressa): Fê, Lê, Tá, Sil, Jô (tanto para João quanto para Jovenildo), Lú, Má, Dê, Gi, Ló, Rú (para Ruth), Rô, Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si (dando preferência para a versão mais anasalada possível), Fê ou Fi (ambos para "Felipe", conforme a preferência do orador). As exceções são "Edu" para Eduardo, "Alê" para Alexandre e Alessandra, e "Adri" para Adriana. Se for nome duplo, os dois nomes são abreviados: "Má Fê", para Maria Fernanda, por exemplo. "Giulias" e "Giulianas" podem virar "Giu", e não "Ju". Afinal, paulistano é coerente, e valoriza a contribuição da colônia italiana. Já no Rio, Giulia vira "Júlia", Giuliana vira "Juliana", Giovanni vira "Jôvâni", Michael vira Máicon, Clayton vira Crêitu...

Ar-condicionado
Entidade equivalente (ou superior) a Deus no Rio, especialmente durante o período de novembro a março. Só divide a devoção com o Sol. Em São Paulo, os metrôs só passaram a ter ar-condicionado nos trens que começaram a circular nos últimos anos, pois, conforme será possível ver no verbete "calor", os paulistanos acham que São Paulo não tem dias quentes. Só em SP, o sujeito "esquece" de ligar o ar-condicionado do restaurante ou da lanchonete.

Área de Lazer
O carioca adora quando as pistas do lado da orla, no Centro ou no subúrbio, estão fechadas, aos domingos e feriados, porque isso deixa ainda maior sua área de lazer. O paulistano fica indignado, não entende, quando a prefeitura faz algo assim esporadicamente, como no Natal, para admirar a decoração da Avenida Paulista. Como assim, deixar as ruas para pessoas?!

Arpoador x Praça do Pôr do Sol
Paulistanos são pragmáticos. Se Ipanema ficasse em São Paulo, o Arpoador se chamaria Pedra do Pôr do Sol. Embora seja difícil transitar pela cidade (e, talvez, por isso mesmo), o cidadão de SP gosta de tudo bem explicado e didático. Se é bonito de ver o sol se pondo de uma praça, ela deverá se chamar "Praça do Pôr do Sol". No Rio, como o carioca acha que tudo é um espetáculo produzido especialmente para ele, bate palma para o respectivo movimento. "Ah, mas tem gente que faz isso em SP também!" Acredite: provavelmente, foi algum carioca que importou a tradição.

Assaltos
Os assaltos a automóveis em São Paulo são menos frequentes do que no Rio. O motivo é simples: com o trânsito "que faz" em SP, se o cara te assalta para levar o carro, na maioria dos lugares é bem provável que ele não consiga sair do lugar, e fique parado na sua frente, depois de ter te despejado do seu bem de quatro rodas. (Amigo leitor carioca, é como alguém tentar assaltar os passageiros do 332, do 606 ou do 457 às 18h de uma quarta-feira.) A desvantagem disso é que, caso o sujeito resolva te assaltar enquanto você está dirigindo em SP (parado no trânsito, portanto), para levar seu relógio ou sua carteira, ele sempre pode, depois de ir embora, decidir voltar porque não te achacou o suficiente e lembrou que não levou seu celular, numa espécie de "recall" do assalto. Afinal, é você que continuará parado no mesmo lugar, por mais que até queira fugir. Uma modalidade mais frequente que tem como algo os veículos em si são os furtos (roubos sem a presença do dono do veículo). Especialmente em bairros e horários com melhor fluxo para o trânsito. É por isso que o paulistano evita lugares em que o trânsito seja melhor, na verdade.

Atendimento
O problema do atendimento no Rio não é falta de educação, mas de audição. Só isso leva algumas a ignorar um cumprimento de "bom dia", ou responder com "eu tô atendendo outra pessoa". Ou eu sou mudo e não sei. O atendimento no Rio não é ruim, ele é personalizado. Ao gosto do atendente. A verdade é que o garçom carioca sabe o que é melhor para você. Se ele não traz a cerveja que você pediu, não é por má vontade ou incompetência, embora possa parecer um pouco de cada. Mas é por zelo, cuidado. Pode ser só porque você já bebeu demais, ainda que essa seja a sua primeira cerveja do dia. Esse "estilo" já levou alguns lugares a criarem fama pelo péssimo relacionamento com seus clientes. Mas é tudo carinho, na verdade. É que carioca não se apega à toa. Você precisa saber o nome do garçom, e ser amigo dele, para ele te tratar bem. Em São Paulo, o atendimento é melhor, mas evite o excesso de intimidade de expressões como "amigão" para chamar o garçom. Paulistano de verdade, ainda que estejamos falando do garçom cearense, escolhe muito bem suas amizades. No Rio, tenha em mente que o(a) atendente está sempre te fazendo um favor (ao menos, ele/ela tem certeza disso), pois poderia (deveria, na opinião dele/dela) estar na praia.

Aterro x Praia
Amigo paulistano (ou de qualquer lugar do Brasil), quando você for ao Rio, quiser ir para a Zona Sul (mais especificamente, Botafogo, Catete, Copacabana, Cosme Velho, Flamengo, Gávea, Glória, Humaitá, Ipanema, Jardim Botânico, Lagoa, Santa Teresa, Laranjeiras, Leblon, Leme, São Conrado, e Urca) e o taxista perguntar, saindo do Aeroporto Santos Dumont, se você quer ir "pelo Aterro ou pela Praia" e você responder "Aterro", não se assuste quando ele passar bem perto do mar (na verdade, a Baía de Guanabara). Ele não está te enrolando (ainda). É que "praia" significa "Praia do Flamengo" ou "Praia de Botafogo", que são também os nomes das pistas mais próximas dos prédios nos referidos bairros, desde antes do aterramento que veio a criar o Parque do Flamengo e suas pistas de rolamento expressas, conhecidas como "Aterro do Flamengo". A propósito, escolha sempre o Aterro: é mais rápido e mais bonito mesmo.

Autoestima
O Rio "é bom, mas é ruim". São Paulo "é ruim, mas é bom". O carioca é muito orgulhoso da cidade que tem, e adora dizer que o Rio é o máximo, que ama a cidade, com todas suas mazelas (e são muitas além da violência), que ela é a mais linda do mundo, mesmo sem nunca ter visitado outra, ou mesmo que ele odeie praia, passe o dia no computador, no ar-condicionado (Deus abençoe esta invenção maravilhosa para os cariocas), não tenha emprego, ganhe mal, derreta para ir ao trabalho e não tenha um IMC que permita ir ao Posto 9. Quando tudo dá errado, esquece do mundo e fica feliz porque tem praia no fim de semana. Já o paulistano ama odiar São Paulo: xinga a cidade, reclama do estresse, do chefe, dos buracos na rua, da poluição, do trânsito, mas compra carro, fala que ano que vem se muda para o interior, ainda que ame aproveitar tudo o que a cidade tem para oferecer (comida, teatro, pizza, museus, comida, cinema de arte, comida, gastar dinheiro e, como não podia faltar, comida), continua morando na cidade (até porque é impossível sair dela com esse trânsito) e troca de carro ano que vem. É fácil encontrar imagens do Rio pintadas em obras de arte das feirinhas de artesanato de São Paulo. Já, se você quiser fazer um pintor da feira hippie de Ipanema rir (ou achar que você é um gringo que acabou de chegar de Marte), pergunte se ele tem "aquele quadro com a imagem do Masp". Numa analogia um tanto machista, é possível dizer que o Rio é uma mulher linda, gostosa, que deixa todos babando, mas, às vezes, decepciona pela falta de conteúdo. São Paulo é uma mulher que nem é lá muito bonita, mas é extremamente charmosa, sedutora, e acaba te conquistando.

A campanha "Sou carioca" (em paródia, acima)
é uma manifestação clara do ego do carioca

Bairros
Está aí uma coisa difícil em São Paulo: saber o nome do bairro onde você mora. Um mesmo endereço pode ter três, ou cinco (eu disse CINCO), bairros diferentes, dependendo da fonte: se são os Correios, o porteiro do prédio, o taxista, a pizzaria delivery ou o Google Maps. É o paraíso do investidor de imóveis, que pode comprar um apartamento em Santa Cecília e vender o mesmo em Higienópolis. A explicação para isso (uma das disponíveis) é que a cidade tem distritos que englobam bairros, alguns com os mesmos nomes dos distritos em questão. A outra (e mais realista) é que ninguém conhece (ou melhor: ninguém entende) a cidade mesmo.

Balada
No Rio, alguns cariocas ainda saem pra "night", por mais anos 1980 que seja essa expressão. Tudo bem, porque muitos ainda parecem que estão num episódio de Armação Ilimitada mesmo. Em São Paulo, o povo vai para a "balada", ainda que nem toque música nela.

Bar com filial
Embora São Paulo tenha um bar frequentado por jornalistas chamado Filial (olha aí o meu jabá, hein?), quem gosta de bar com sucursal mesmo é o carioca. A origem dessa tradição é desconhecida, mas data pelo menos dos anos 1980, com o resistente Sindicato do Chopp (que apresentou os "gurjões" de peixe e de frango e a porção gigante de frango à passarinho por R$ 10, a toda uma geração), e posteriormente, com o também bravo Manoel & Juaquim. Ambos ficaram conhecidos pelas suas bem servidas porções a preços justos e chegaram a ter lojas com os mesmos nomes, mesmos cardápios, mesmo chope, mesmo serviço e até os mesmos garçons das originais espalhadas por toda a cidade. Hoje, brotam Belmontes, Botequins Informais, Espeluncas Chics, Botecos da Garrafa, Bares do Adão e Devassas em qualquer imóvel de rua que fique disponível na Zona Sul e não seja ocupado por uma farmácia. São os McDonald´s do chope. O curioso dessa "macdonaldização" da boemia carioca é que, na maioria dos casos, diferentemente do que acontece no mundo do fast food, não se trata de franquias, são filiais mesmo, dos mesmos sócios do bar original. Uma das explicações para o sucesso desta prática é que o carioca, no fundo, é um tradicionalista e gosta de beber sempre no mesmo boteco. Por isso, por que não levar o mesmo bar para toda a cidade, então?

Bar de rede
Outra justificativa para a proliferação, no Rio, de filiais de bares e bares com filiais é que muitos desses bares tiveram origens portuguesas e espanholas: sem saber fazer outra coisa da vida, sem ousadia para inventar outro negócio e sem confiar na ciranda financeira dos bancos, restava a estes empresários abrir outras lojas iguais. Com a troca de gerações da família na administração destes bares, o movimento de expansão, profissionalização e industrialização das empadas e pastéis se consolidou. O paulistano é capaz de abrir vários bares ou restaurantes com os mesmos sócios, mas cada um terá um nome diferente. Primeiro, para sempre ter cara de novidade, coisa que paulistano adora. E, depois, simplesmente porque assim aumentam as chances de cada empreendimento ser considerado pequena empresa e manter os benefícios tributários, outra coisa com a qual o paulistano se importa bastante e que talvez seja o mais importante disso tudo.

Bar estilo carioca
Tá aí uma invenção tipicamente paulistana, que só chegou ao Rio há menos de dez anos, importado de São Paulo logicamente. Paulistano acha que é só fazer um bar com decoração de ladrilho colorido, móveis de madeira e atendimento ruim para se passar por um bar da Lapa. Aí, vêm aquele chope cremoso (a mais de R$ 7 a unidade), um petisco diferente, o garçom todo arrumado e atencioso, e acabam com a magia do ambiente.

Bicicleta
O carioca usa para passear e até para ir ao trabalho, se for perto de casa. O paulistano tem direito a usar uma ciclovia ao lado do cheiroso Rio Pinheiros, com só dois pontos de saída, mas ainda não chamam de castigo. Paulistanos também conhecem bicicletas de filmes. (Este post foi escrito antes de o prefeito Fernando Haddad começar a encher a cidade de ciclovias.)

Biscoito x Bolacha
Que MMA, UFC, vale-tudo, que nada. Como já mencionados na abertura deste post, os "gladiadores do terceiro milênio" são feitos de farinha de trigo, açúcar, gordura vegetal, baunilha e chocolate. São eles que vão decidir se o certo é falar como os paulistanos ou como os cariocas (embora as embalagens sejam de "biscoito Bono").

Bombeiro
Quando um carioca disser que o "bombeiro" foi ou precisa ir à casa dele, não precisa se preocupar, amigo paulistano, não significa necessariamente que ele teve um incêndio em casa. Deve ser só um problema hidráulico, para o qual você chamaria o "encanador". Mas a especialização é exatamente a mesma.

Buzina
O motorista paulistano nem é um amante da buzina tão voraz quanto o carioca, mas nada dá mais inveja ao motorista de ônibus carioca do que a presença do acessório no veículo de trabalho de seus colegas paulistanos. Dá para imaginar quanto a incidência de surdez na população carioca explodiria se os trabalhadores do transporte público tivessem acesso a essa peça, desabilitada de fábrica pelo raro bom senso de alguém. Também dá para imaginar quantas embreagens seriam poupadas pelo mesmo motivo.

Cachorro-quente
Nada deixa mais claras as diferenças gastronômicas (e até culturais) entre Rio e São Paulo do que os cachorros-quentes das duas cidades. Os cariocas se ufanam com um certo saudosismo do seu tradicional cachorro-quente, agora ressuscitado, Geneal, que consiste simplesmente em pão de cachorro-quente, salsicha de cachorro-quente, sem qualquer molho (e no qual você pode adicionar ketchup ou mostarda, uau!), vendido inicialmente no Maracanã e nas praias. Já em São Paulo, cachorro-quente é um evento. Além de ser servido em lanchonetes sofisticadas, mesmo nas carrocinhas mais simples é possível acrescentar "catupiri" (entre aspas e sem "y"), cheddar (de qualidade idem ao do catupiri), batata-balha, queijo ralado, milho e, por fim, purê de batata. Depois disso tudo, se o lugar for tradicional mesmo, será possível pedir para prensar seu sanduíche, o que, além de torrar o pão e os demais ingredientes que transbordaram, facilita sua vida na hora de comer. Esse ritual todo permite aos cariocas fazerem eternas piadas com a sofisticação gastronômica paulistana, com destaque para o purê (jamais "pirê"), mas a verdade é que a combinação fica boa. Carioca que acha a mistura "exótica", é porque nunca comeu dogão na Central do Brasil ou na porta do antigo Maracanã, para saber o que é "exótico".

Calabresa
Uma das maiores decepções dos cariocas quando chegam a SP, depois de passar a vida ouvindo que a pizza da cidade é a melhor do mundo, é descobrir que a pizza de calabresa em São Paulo é de... calabresa! No Rio, qualquer coisa, para ser chamada de pizza leva queijo (e a massa, obviamente), por princípio (além do ketchup, diriam os paulistanos implicantes). Portanto, amigo carioca, se quiser comer a sua conhecida pizza de calabresa em São Paulo, peça uma "toscana". E, amigo paulistano, se você pedir uma "calabresa" no Rio, saiba que ela virá com queijo e não haverá nada que voê possa fazer a respeito. Aliás, sinceramente, a não ser que seja um caso emergencial, você não vai querer pedir uma pizza no Rio, se você veio de SP.

Calçada
A maior demonstração de que São Paulo não é uma cidade para pedestres é o estado de conservação (?) das calçadas. Tal como no efeito Tostines, é difícil saber o que aconteceu primeiro: se o amor pelo automóvel ou a destruição das calçadas pelo que parecem ter sido raios ou chuvas e meteoros. A conclusão desse círculo vicioso inteligentíssimo é que muitos lugares não têm sequer vias de pedestres. O carioca inexperiente, quando viaja para São Paulo profissionalmente, tenta reservar um hotel próximo ao seu local de trabalho na cidade, mas acaba "ficando mais longe" do que caso tivesse se hospedado em outro bairro, pois acaba descobrindo que simplesmente não é possível chegar a pé ao seu destino, já que há um viaduto, uma ponte e/ou um rio no meio do caminho de 15 metros que ele viu no Google Maps. O Rio de Janeiro, mais afeito ao uso das pernas como meio de transporte, tem até calçadas climatizadas: refrescadas por gotas que caem dos aparelhos de ar-condicionado de escritórios e apartamentos desregulados e com as quais todos parecem estar ambientados. Além disso, no momento (há uns 40 anos, aproximadamente), as passagens do pedestre carioca estão ocupadas por camelôs e campos minados chamados carinhosamente pelo poder público de "bueiros".

Calçados
O carioca usa chinelo em qualquer lugar, sempre que pode (ou não), nos fins de semana ou entre eles. O paulistano, por ter que estar produzindo sempre, só vai ao parque de tênis, para fazer seu jogging, ou seu running. Carioca, cuidado: quando você colocar seu par de Havaianas para andar na rua num domingo de sol, vão te achar estranho(a). (Mais ainda, se for dentro do shopping.) E vai chover, porque, afinal, se está quente em São Paulo, é só sinal de que vem muita água por aí. (Isso ameaçou deixar de ser uma realidade em 2014, quando nunca mais choveu em SP, mas tenhamos fé de que tudo voltará a ser como antes, quando era notícia no Jornal Nacional o dia em que não chovia em SP no verão.)

Calor

O cantor Criolo disse: "não existe amor em SP". Mas, calor, com certeza, existe. Um dos mitos sobre São Paulo é o de que a cidade não tem dias quentes. O totem dessa filosofia são os prédios residenciais sem permissão ou espaço nas janelas para aparelhos de ar-condicionado. Nos edifícios mais novos, é possível instalar o aparelho. E perder a varanda. O carioca, todo ano, reclama do calor do alto verão, diz que "este ano está demais", que está pior do que o anterior. Mas apenas se ele estiver sendo obrigado a trabalhar. E, sim, é quente em QUALQUER lugar da cidade durante o verão. O cara que inventou que SP não tem calor (e o que sustenta isso) provavelmente anda de carro com o ar-condicionado ligado no verão e nunca pegou ônibus na vida.

Cândida
Tá aí um clássico falso cognato entre os dialetos do Rio e de SP que pode resultar numa confusão seríssima. Por exemplo, se uma calça escura estiver manchada de branco de água sanitária e você estiver no Rio, amigo(a) paulistano(a), evite acusar "deve ser cândida". Vão acabar pensando que você está insinuando falta de cuidado com as partes íntimas pelo(a) dono(a) da calça.

Capital
Se os cariocas acham que o Rio ainda é capital da república, os paulistanos têm certeza de que São Paulo o é, já que sempre se referem à cidade como "a capital", oficialmente para distingui-la do restante do Estado, de mesmo nome (embora o Rio não faça o mesmo). "Trânsito parado no sentido da capital", os telejornais paulistanos falam.

Carnaval
A prova de que algum dia os paulistanos já ligaram para a rivalidade com o Rio foi terem tentado imitar as escolas de samba cariocas. Numa boa, não deu certo, não combina com a cidade. E a comprovação final de que ainda há dignidade em São Paulo vai ser quando desistirem de vez. Apesar disso, não tem coisa que carioca torça mais nos últimos anos do que para o carnaval de rua em São Paulo pegar. Nada contra a presença paulistana no balneário. Afinal, com seus altos salários, os paulistanos podem ajudar a financiar a estupidez dos governantes fluminenses e cariocas. O problema é que, diferente de São Paulo, o Rio não é uma cidade elástica, com lotação infinita. Para saber mais sobre o Carnaval paulistano (sim, ele existe), leia o Manifesto Carnavalesco Paulistano.

Carro
É a Havaiana do paulistano. O morador típico de São Paulo não vai à padaria sem ele. E, depois, reclama que o trânsito da cidade está um caos, um absurdo, que a prefeitura não faz nada... O carioca usa menos o automóvel, até porque muitas vezes sai de casa com ele e volta sem. O carioca, quando se muda para São Paulo, se vê logo obrigado a trocar de carro. Primeiro, porque provavelmente ele foi transferido para uma "posição" melhor na empresa, ou quer dar essa impressão para todos. Ou, ainda, porque descobre que o automóvel dele é do mesmo modelo que o do estagiário da firma.

Carro de paulista x Carro de carioca
Nada mais típico da implicância do carioca do que dizer que a configuração de um carro é de "carro de paulista" (carioca não sabe a diferença entre "paulista" e "paulistano") quando estão os dois homens sentados nos bancos da frente (afinal, o macho tradicional é o que dirige, o que conduz) e as respectivas mulheres (ou futuras) no banco de trás (para falar de unha, moda e outros fricotes, enquanto os homens falam de futebol e de política, e decidem o futuro do país). Com isso, o carioca quer dizer que o paulista é meio mané, porque não vai com a mulher ao lado para tirar uma casquinha. Se essa prática já foi verdade em SP de forma geral, hoje deve estar limitada aos redutos mais "coxinhas" da cidade, como a Vila Olímpia. Assim como há paulistanos que revidam e dizem que essa prática é, na verdade, dos cariocas. Pode ser, dos que moram na Barra da Tijuca.

Casual Friday
Ninguém leva a expressão "casual Friday" (lê-se: "quéjual fráidêi") mais a sério do que um carioca. Até porque é uma expressão que reúne três coisas que o sujeito do Rio adora: a forma mais relaxada de ser e se vestir (o "casual"), a sexta-feira (Friday) e uma expressão em inglês. É na sexta-feira que os paulistanos se vestem para o trabalho como os cariocas se vestem diariamente. Já os cariocas... Bem, os cariocas se vestem como se já fosse domingo. Felicidade de paulistano e de carioca quando tem feriado no meio da semana é ter dois "casual days".

CET x CET-Rio
Um dos primeiros sintomas de conversão do carioca que está há muito tempo longe de casa é quando ele começa a falar "cê-ê-tê" para se referir à companhia de engarrafamento de trânsito municipal. (Os seguintes são: chamar refrigerante de "refri", falar "balada", "bolacha", "trampo", "meu", "ê", "sossegado", "bosta" como se fosse palavrão e "puta" como adjetivo para indicar uma grande intensidade.) No Rio, o nome da empresa correspondente (CET-Rio) é lido como "sete-Rio", ou simplesmente "sétirriu".

Chope
Carioca, esqueça. Em São Paulo, só tem chope "cremoso". Um dia, ainda tenho coragem e peço o meu com cobertura de chocolate e castanhas, por favor. Ah, e o garçom em São Paulo fica irritado se você pede o sagrado líquido com menos da metade do copo de espuma. Ou se não aceita os chopes que ele muito gentilmente vai colocando sobre a sua mesa sem você pedir. E isso que ainda nem falamos da antiga tradição paulistana de colocar groselha, ou licor de menta no chope... (Leia mais sobre isso no verbete "groselha".)

Chuva
Tal como o sol não faz o menor sentido em São Paulo, a chuva tira uma boa parte da graça do Rio. Para ir a São Paulo, em compensação, a chuva tem cartão de milhagem e acumula milhares de pontos (e litros) entre novembro e março, quando ela sempre surpreende os governantes chovendo muito mais em um dia do que a média acumulada para aquele mês todo nos últimos cem anos e alaga toda a cidade. No dia em que for descoberto quem fez essa previsões, essa pessoa estará em maus lençóis. (Ou péssimas capas de chuva, ha, ha, ha.) Se não souber nadar, São Paulo não é uma cidade para você. É sempre do mesmo jeito: no meio da tarde, uma nuvem preta paira sobre São Paulo e, subitamente, se transforma em água e despenca. Mas é sempre uma surpresa, tal qual o engarrafamento diário. Já cariocas são feitos de açúcar: é só começar a chuviscar, que ele cancela toda a programação possível, porque está caindo "um temporal".

Um fim de tarde de verão comum em São Paulo
Ciclovia
O paulistano é um cosmopolita. Quando viaja para o exterior. Não me venha um prefeito doido querer encher São Paulo de vias para bicicletas, porque isso que não é Amsterdam, não! Como o esporte favorito do cidadão de SP é reclamar, a ciclovia cai como uma luva na rotina da cidade, pois fornece ao cidadão que tem um apartamento com 6 vagas um culpado óbvio pelo engarrafamento. E passa exatamente na fronteira que divide a cidade entre "coxinhas" (que estacionam em cima das ciclovias) e "bichos-grilos" (que usam as ciclovias). Claro que, como paulistano adora uma regra (e odeia uma multa), é só uma questão de tempo, até as primeiras cobranças começarem a chegar nas casas dos indignados donos de SUVs. Tanto é assim, que as pistas reservadas a bicicletas apenas aos domingos e feriados, pintadas com faixas laterais vermelhas, as "ciclofaixas", costumam ficar vazias mesmo durante a semana, quando o tráfego é liberado para automóveis, por medo do motorista paulistano de estar infringindo alguma lei. Os cariocas já estão mais acostumados às ciclovias. Mas, como muita coisa na cidade, desde que sirvam apenas ao turismo e lazer, ficando restritas à orla, portanto. Pobre tem mais é que se lascar no transporte público mesmo.

Cinema
O carioca chega depois que o filme começou e, possivelmente, ainda te pede para trocar de lugar com ele. O paulistano chega mais de uma hora antes, só para poder curtir a fila da bilheteria e a da sala, mesmo que tenha lugar marcado. E vai embora antes de a luz da sala acender. Afinal, paulistano está sempre com pressa para pegar uma fila, no caso, a do estacionamento. Se for num show, ele perde as melhores músicas, que só são tocadas no bis, para poder ir embora antes.

Cobrador
Em São Paulo, é comum encontrar o cobrador do ônibus lendo um livro. Até porque parece que ele é pago para isso, depois que implementaram as catracas eletrônicas. No Rio, o "trocador" trabalha muito mais e acumula funções: conversar com o motorista, conversar com os passageiros, reclamar da nota alta (de R$ 5 ou R$ 10) que recebeu do passageiro e descer para pegar lanche para ele e para o motorista no Bob's no meio da corrida. O passageiro carioca deve estar preparado para não se assustar em São Paulo quando o cobrador lhe der "bom dia" ou retribuir o seu cumprimento.

Comida
É na comida que estão muitas diferenças entre as duas espécies: paulistano chama de "mandioquinha" (ou "mandioquinha-salsa") a batata-baroa do carioca, que chama de "aipo" o salsão do paulistano. Em São Paulo, se o carioca pedir um "joelho" no balcão de vidro de um pé-sujo provavelmente vai ficar sem resposta. O equivalente à iguaria à base de farinha, presunto e queijo do Rio é chamado de "bauru" (sim, igual ao sanduíche) ou "bauruzinho" em São Paulo. Decepção para carioca quando chega a São Paulo é pedir um cuscuz achando que vem o doce baiano à base de tapioca, e vir a salada prensada paulista à base de peixe e farinha de milho.

Cordialidade carioca
Parece muito com grosseria, mas é só o jeitinho especial do cidadão do Rio de te atender, falando palavrão, xingando os outros. Não é pessoal, acredite. O carioca quer ser gentil, e acha que está sendo, mas é muito grosso ao mesmo tempo. Para te elogiar, vai dizer "tu é foda". Para te xingar, também. Para te atender, vai dizer "pois não!". Não é por mal, é cultural, está no sotaque até.

Cor do táxi
Paulistano adora dizer que São Paulo é a Nova York brasileira, mas são os cariocas que se sentem em casa na grande maçã quando veem aquele monte de táxis amarelos, ainda sem a charmosa e indefectível faixa lateral azul. Deve ser por isso que paulistano também gosta de visitar o Rio. Em São Paulo, é possível se divertir fazendo sinal para qualquer carro branco, especialmente os importados (quanto mais caro, melhor), só para irritar o motorista/proprietário, já que essa é a cor padronizada dos chamados veículos "de praça".

Cortesia paulistana
Qualquer prestador de serviço em São Paulo te chama de "senhor", ou "senhora", ainda que a pessoa que esteja te atendendo seja mais velha do que você, e que o serviço seja péssimo. (Ou quem você acha que levou o idioma do telemarketing para o resto do país?) No Rio, o atendimento é mais personalizado, com o uso dos vocativos "ei", "ôu", "aí" e "ó", dependendo do caso, e o mais respeitoso de todos, (equivalente ao "vossa senhoria" de São Paulo): "aí, ó", sempre com exclamação. A cordialidade paulistana é tamanha, que cria expressões curiosas como "obrigado(a) eu", enquanto, no Rio, se o sujeito quer devolver o agradecimento diz "obrigado você". Ou seja, no Rio, é o outro mesmo que tem que se sentir obrigado a te retribuir, não você.

Coxinha
Evolução (?) do tradicional "almofadinha", é o visual (e apelido carinhoso) do indivíduo engomado paulistano, que usa gel no cabelo, trabalha no mercado financeiro ou finge que. A origem precisa da analogia é incerta, mas intuitivamente é inevitável associar o formato da iguaria ao do corpo do sujeito que passa o dia sentado tentando conter uma massa disforme de ser humano apertada para dentro de uma casca fina de camisa social e calça apertada. A figura é coroada por uma camada de gel no cabelo, tal qual uma casca fina e crocante, que pode se quebrar a qualquer momento. Além de ser fácil encontrar inúmeros indivíduos idênticos por toda a cidade, se exibindo em vitrines como se fossem únicos, tal como o conhecido salgado. Por vezes, o "coxinha" é também um tremendo "caga-regra", personagem típico paulistano que acha que entende tudo sobre qualquer assunto, sempre tem uma explicação a dar, de legislação tributária à engenharia de aviões. Uma das teses vigentes é que se trata de mais uma herança do mundo policial: "coxinha" passou a ser o apelido dos PMs de SP, que ganhavam mal e tinham uma alimentação à base da iguaria (porque era o que podiam pagar, ou porque ganhavam dos botecos, já que qualquer pé-sujo de SP serve o salgado), o que também lhes conferia uma silhueta correspondente à do alimento. (Se não servir de explicação para o apelido, dá um belo tratado de sociologia.)

Cruzamento
Como reconhecer um carioca no trânsito de São Paulo? (Não, não é pela placa. Até porque muitos moram em SP, e têm carro emplacado na cidade.) É o cara que buzina revoltado da vida, sem entender por que o carro à sua frente não fechou o cruzamento. É também o motorista que aproveita o posto de gasolina numa esquina para dar aquela furada no sinal e virar para a rua transversal quando ainda não seria a vez dele. Já o paulistano é muito ligado aos símbolos religiosos. E ao seu bolso. Deve ser por isso que respeita tanto o sinal da cruz que identifica os cruzamentos, além do "marronzinho": um dos maiores arrecadadores municipais, é funcionário da prefeitura vestido numa linda cor com a incumbência de entregar multas pela cidade. No Rio, fechar o cruzamento é uma questão de honra, uma prova de masculinidade e de esperteza. Na verdade, o carioca até respeitaria os carros que vêm na transversal, não fosse "aquele outro FDP vindo ali no outro sentido e que com certeza vai fechar a passagem dele quando o sinal (farol) mudar!"

Delivery
Paulistano tem pressa. Para absolutamente qualquer coisa. E adora uma expressão em inglês, ou pelo menos aparentemente americana. Mas esse papo de que a cidade não dorme é mentira, só funciona na propaganda do Citibank. Foi São Paulo a cidade que inventou o "motoboy", mas é curioso que a cidade não tenha o simples entregador de farmácia, que o Rio inventou nos anos 1980 para te levar aquele tarja-preta do coração (da cabeça, na verdade) sem prescrição no meio da madrugada. Vai ver é porque o tradicional entregador de drogaria mesmo vai a pé, instrumento que foi abolido de São Paulo há alguns anos.

Descer para a praia
Em São Paulo, essa expressão significa algo que o paulistano típico faz todas as sextas-feiras: ficar pelo menos quatro horas no engarrafamento, para encontrar o mar, no pé da serra. No Rio, "descer para a praia" pode significar simplesmente pegar o elevador.

Descer x Subir
Pela questão geográfica óbvia, enquanto em SP usa-se o "descer" para falar do lugar para onde se vai no fim de semana, o carioca, próximo ao mar, pergunta "quando você vai subir", para saber a data em que você vai viajar, não importa para onde, se São Paulo, de fato acima, ou para a Região dos Lagos, no mesmo nível do mar.

Dinheiro do ladrão
Foi o carioca que criou essa instituição, do trocado (nem tão trocado, para não despertar desconfiança) separado no bolso para casos de assaltos ou furtos. Em São Paulo, o paulistano faz esse pagamento por meio dos impostos. (Ok. Nesse caso, talvez, o carioca esteja sendo tributado duas vezes pelo mesmo serviço.)

Direção
Quem diz que carioca não tem pressa nunca andou no trânsito do Rio. Não que os paulistanos sejam diplomatas por natureza, mas é uma simples questão de sobrevivência: como a vida de quem mora em São Paulo depende do trânsito, o sujeito faz o máximo para não parecer brasileiro no volante. O maior problema do paulistano no trânsito, além de ser tarado por carros (não fosse isso, não existiriam apartamentos com mais vagas de garagem do que cômodos), é que ele tem memória fraca: pega todo dia o mesmo caminho ruim e diz sempre "isso aqui nunca esteve assim", mesmo que a via sempre esteja daquele jeito. O paulistano típico adora pegar as mesmas vias "expressas" lotadas de cada dia, tal como as marginais Tietê e Pinheiros, em vez de tentar caminhos alternativos, ou de usar o transporte público. No mais, a distância física entre Rio e São Paulo é prova de que Deus existe e sabe o que faz. Se o trânsito paulistano fosse no Rio, a capital fluminense já teria se transformado numa fábrica de terroristas com capacidade de fornecer mão-de-obra especializada ao Talibã.

Distrito
O carioca não usa muito essa expressão provavelmente porque lembra de "Distrito Federal" e lhe traz à tona o trauma de o Rio ter deixado de ser capital do país. Em SP, como dito no verbete "bairros", os distritos englobam diversos bairros e acabam se confundindo com eles, pois muitos usam os mesmos nomes.

Cordialidade paulistana: mais simpática, só a reação
da moça da loja ao me ver tirando a foto
Engarrafamento
Já universalmente conhecido, o engarrafamento diário paulistano é tratado pelo cidadão local quase sempre como uma surpresa, tal como os governantes brasileiros fazem com as chuvas, os alagamentos e os desmoronamentos de verão. A vantagem disso é que, se você é um motorista que gosta de andar a 20 km/h, São Paulo é o seu lugar, pois todo mundo já está acostumado a andar devagar, e vai achar normal andar àquela velocidade mesmo que não tenha nenhum carro na sua frente, sem te encher o ouvido de buzinas. O Rio, na sua competição insana com SP, tem se empenhado em alcanças índices de engarrafamento similares, medidos em centenas de quilômetros de filas de carros, sobretudo para quem tenta fazer o trajeto Centro-Barra. Em São Paulo, toda tentativa de fugir do engarrafamento será castigada com um tráfego pior e mais lento ainda no caminho que você julgou ser "alternativo".

É pique! É big!
A diferença de idioma mais constrangedora entre essas duas quase-nações está na celebração do aniversário. Enquanto os cariocas cantam, no fim do parabéns, "é big, é big, é big", os paulistanos optam por uma opção com tanto sentido quanto: "é pique, é pique, é pique". Cariocas em festas de aniversário em São Paulo têm vontade de correr em volta da mesa uns atrás dos outros quando essa parte começa a ser entoada.

Estações do ano
Se tem uma coisa da qual o paulistano pode se orgulhar, é o fato de, diferente do resto do país, ter as quatro estações do ano. No mesmo dia. Não à toa, existe a comparação do cidadão morador de São Paulo a uma cebola, pois vai tirando (e colocando) camadas ao longo do dia. No Rio, não tem nada disso. É verão o ano inteiro, com o que isso tem de bom (a praia) e o que isso tem de péssimo (derreter indo ao trabalho).

Farol
Este verbete é sobre farol de carro, não sobre semáforos ou sinais de trânsito. Cidade bonita é cidade iluminada, certo? Deve ser por isso, então, que os paulistanos gostam tanto de compensar a falta de postes de luz pelas rusa usando o farol alto onde quer que seja, como se estivesse numa fazenda, o que também faz jus à quantidade de picapes na cidade. O objetivo parece ser mesmo o de cegar, ou eliminar, o condutor à sua frente ou que vem na mão oposta, como se o farol fosse um feixe de laser. Ah, e por que o motorista paulistano não apaga o farol (ou a lanterna) quando sai do túnel? Porque ele nem acendeu. O farol também substitui diversas vezes a buzina em SP, na hora de chamar a atenção do outro motorista por alguma bobagem. No Rio, vale a buzina mesmo para qualquer coisa, inclusive no lugar do farol noturno, pois os demais motoristas têm mais é que sair da sua frente. O carioca é também um fã do pisca-alerta, que é como ele chama o salvo-conduto luminoso que vem instalado no carro e lhe garante o direito de parar em QUALQUER lugar. Os mais profissonais ainda abrem o motor para fingir que estão procurando algum defeito, para caso o guarda apareça. Veja também: Sinal/Semáforo/Farol.

Feijão
Um dos primeiros choques culturais do carioca quando vai morar em São Paulo (depois de descobrir que o paulistano realmente vai a um compromisso quando diz que vai) é descobrir que o feijão do dia-a-dia é o marrom, e não o preto, com o qual os cariocas estão acostumados, quer estejam comendo uma feijoada, ou não. E o mais curioso é que o feijão marrom, que quase não é encontrado no Rio, é chamado de "carioca" ou "carioquinha". Enfim, pelo menos, foi um jeito que os paulistanos encontraram de comer carioca com frequência. Em SP, o feijão preto é uma exclusividade das feijoadas, às quartas-feiras e aos sábados. No Rio, a feijoada é servida às sextas (até porque ninguém pensa em trabalhar após o almoço do último dia útil da semana) e aos sábados, porque, afinal, é um prato que fica muito melhor no dia seguinte e ninguém mora numa cidade com praia para ter trabalho dobrado.

Fila
Tal qual o ar-condicionado e o sol para os cariocas, a fila é uma entidade sagrada para os paulistanos. Não à toa, cariocas só gostam de filas para furá-las. Quando estiver em São Paulo, respeite essa instituição quase tão poderosa quanto a igreja, o automóvel e o engarrafamento (nada mais do que outra forma de fila). O segredo para o sucesso de um empreendimento paulistano é chamar uns amigos para se aglomerar na porta nos primeiros dias. O paulistano típico que passar na frente vai achar que o lugar é o máximo, só porque tem gente esperando e, entre o seu e o "sem-fila" ao lado, vão escolher o seu só por isso. Já para o carioca, a grande meta é burlar a fila (não necessariamente furá-la na cara dura, mas descobrir se tem um conhecido que pode te colocar para dentro ou que possa comprar para você o ingresso desejado). O carioca sabe que está há muito tempo em SP quando procura o fim da faixa indicativa de local para a fila e vai até lá, mesmo quando não existe ninguém nela. Outra função social da fila de espera em restaurantes é servir de passatempo para esperar aquele(s) amigo(s) que você chamou para jantar e que, obviamente, se atrasou por causa do engarrafamento, ou só porque brasileiros não são pontuais mesmo. E quem chega atrasado pode ficar tranquilo(a) de que não está perdendo o couvert ou as entradas da refeição, pois sabe que o(a) amigo(a) mais pontual está apenas guardando lugar na lista.

Frio
Se o paulistano acha que não faz calor em São Paulo, o carioca já tira o casaco ("blusa" é coisa de paulista) do armário quando os termômetros na rua marcam 25ºC e já pensa em marcar um fondue. Como chuva não é sinônimo de frio, na chuva, o carioca continua usando as mesmas roupas de verão tradicionais. E pode até ir à praia nessas condições, se não for uma chuva torrencial, claro. O curioso é que o carioca adora dizer que não gosta de frio, que detesta São Paulo por causa da temperatura, mas considera 10ºC como a temperatura ambiente ideal, já que costuma ser essa a média nos locais com ar condicionado na cidade.

Funk
A música (?) carioca foi espalhada para o resto do país. Em troca, os paulistanos criaram os serviços de telemarketing. Como em toda guerra, o primeiro a morrer foi o bom senso (seguido pelo bom gosto).

Galeão
Ao contrário do que algum flamenguista pode dizer, a grande vergonha do Rio não é o Vasco. É o falecido (só não sepultado) Aeroporto do Galeão. Se Thomas Edison quisesse inventar um lugar onde nada funcionasse, não teria tido tanto êxito. A não ser que criasse o Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, que, como paulista é muito competitivo, é quase tão ruim quanto.

Garçom
Tá, o atendimento no Rio, em geral, é ruim. Mas, se você quiser ser tratado como um rei, aprenda o nome do garçom (e passe a usá-lo para chamá-lo, claro). Tenha isso como seu primeiro ato de governo ao chegar em qualquer bar. Uma primeira abordagem como "amigo" ajuda, mas mantê-la a noite inteira não garante aquela saideira de graça, ou que ele esqueça de anotar uns seis chopes que você pediu. Agora, se você quiser ignorar essas regras, provavelmente será atendido(a) como um paulista na cidade. Ou seja, mal.

Gel
Se o Rio é a ditadura da chapinha para as mulheres, São Paulo é o reino do gel no cabelo (para os homens). O efeito fica tão natural (e sexy) quanto a sua equivalente no mundo feminino, mas 9 em cada 10 executivos acham que acabar com a camada de ozônio é uma forma de mostrar sucesso, ainda que fiquem muito mais ridículos do que apenas de terno no calor de 40 graus do país.

Geografia
Carioca, não tente entender a geografia paulistana, sobretudo no trânsito. É coisa para iniciados. Vias estranhas podem te levar para lugares nunca antes imaginados. E nem desejados, provavelmente. Já as que você acha que vão te levar a um lugar, levam a outro. Diferente do Rio, onde os taxistas um pouco mais experientes conhecem 99% das ruas, e como chegar nelas, pelo nome. Antes do GPS, guia de rua era item obrigatório nos táxis de São Paulo. E os taxistas usavam. Sempre. Falando em geografia, é bom se acostumar: embora ambas cidades tenham favelas, São Paulo tem "periferia", enquanto o Rio tem "subúrbio" (talvez para valorizar o "r" rasgado carioca, é verdade).

Gerúndio
Tal como o Minhocão, a Semana de 1922, o engarrafamento da Marginal e o chope com groselha, o gerúndio também é uma invenção paulistana. Como toda criação ruim, esteve sendo espalhada pelo país todo. Vamos estar ficando muito felizes quando essa praga estiver sendo extinta. Junto com os atendentes de telemarketing, foi criado para os paulistanos se vingarem do funk carioca.

Gramática
As duas cidades têm gramáticas próprias. No Rio, palavrão é vírgula, não é pessoal. Em São Paulo, "então" é sujeito, está presente em todo começo de frase. Carioca pergunta se "tu quer algo" por convicção, paulistano pergunta "quer que eu pego?". Que "sejem" felizes, então.

Gringos
Não é verdade que estrangeiro não vai para São Paulo. O sujeito trabalha na sede de uma multinacional, vê fotos do Rio com a legenda "Brasil" e diz que quer trabalhar naquele pais. E acaba sendo mandado para São Paulo, claro, onde fica a sede brasileira da empresa. E vai passar o Carnaval no Rio.

Groselha

Nem só de glórias vive a gastronomia paulistana. A mesma cidade que deu nome e fama a Alex Atala tem um passado em que servia o chope verde (com licor de menta) e o chope rosa (com groselha) em muitos bares da cidade. Com a graça de Deus, essa prática ficou lá para os anos 1980, embora alguns bares mais tradicionais ainda sirvam a iguaria, sob insistência do eventual cliente saudosista (e todo bêbado é saudosista e insistente). Como São Paulo é uma cidade do mundo, cosmopolita, o chope verde é relembrado no St. Patrick's Day, em 17 de março, mas, no caso, é usado apenas um corante, sem sabor, e a cerveja só muda de cor, não de gosto (tradição que também é de um "gosto" bastante duvidoso), embora uns cariocas mais implicantes tenham o hábito de dizer que é chope com Listerine. Deve ser por isso que o sujeito chato em SP é também chamado de "groselha".

Chope de diversas cores em SP.
(Imagem: Esquina do Chopp)

Guarda-chuva
Carioca adora dizer que não gosta de guarda-chuva, que não usa e tal. Amigo(a) carioca, não é que você não gosta, é que você não precisa. Em São Paulo, você vai ter um, acredite. A não ser que (ou mesmo que) você se renda ao hábito ainda mais paulistano de usar o carro até para ir ao banheiro.

Higiene no busão
Todo mundo que já frequentou o transporte público do Rio já viu um dia uma barata andando pelo ônibus ou embarcando no trem da Central. Em São Paulo, não cabe.

Homem
Homens cariocas e homens paulistanos são igualmente brasileiros e, portanto, curtem uma "azaração", ou um "xaveco", dependendo de que lado da Dutra estiverem. Ambos vão olhar para a mulher bonita (ou seja, qualquer mulher) que passar ao lado. A diferença é que o carioca vai parar o que estiver fazendo (o jogo de futevôlei ou o chope no bar), e ainda vai torcer o pescoço, para olhar. O paulistano, mais discreto e para não correr o risco de ficar improdutivo ainda que por alguns segundos, vai olhar para a mina sem interromper sua atividade no momento (dirigir, pegar o busão ou digitar no celular).

Horário de Verão
Ah, que delícia que é sair do trabalho com o dia ainda claro, não? Tanto Rio como São Paulo são divididas entre pessoas que amam e as que odeiam o horário de verão. A diferença é que, no Rio, a alegria do sujeito é sair "mais cedo" do trabalho para ainda pegar uma praia no Arpoador, enquanto em SP a vantagem é poder sair num horário que te permita curtir a hora do rush em sua plenitude, mas com o dia ainda claro, obviamente.

"Oba. Vou sair mais cedo, para ainda pegar uma praia!"

Humor
Não é verdade que paulistano não tem senso de humor. Ele só não é tão esculhambado quanto o carioca, que está sempre pensando numa piadinha para "quebrar o gelo". Carioca, não espere chegar no seu novo emprego paulistano contando piadinha e virar o comediante da firma na primeira semana. O paulistano é arredio e desconfiado. Ainda mais com cariocas. (Alguém lhes tira a razão?) Mas são gente boa. Já o bom humor carioca é um mito no qual só acredita quem nunca precisou encarar uma discussão de trânsito no Rio (sim, o engarrafamento caótico também existe no Rio, só muda o cenário de fundo).

Infinito
São Paulo desafia a matemática, a geometria, a física, enfim, a lógica. É o primeiro caso conhecido de cidade onde paralelas se encontram. Logo, o infinito fica em São Paulo. Da mesma forma, algumas perpendiculares jamais se cruzarão. Não espere conseguir usar a rua paralela para pegar a transversal que você acabou de deixar passar. Você cairá numa nova dimensão do universo. A forma mais eficiente de acertar um caminho em SP é não conhecê-lo. Porque, se você achar que domina o trajeto, será tentado a procurar uma rua paralela, uma forma alternativa para chegar lá, quando vir o engarrafamento à sua frente, o que invariavelmente dará errado. Se você não conhecer o caminho, você simplesmente obedecerá às placas (que existirem e não estiverem apagadas ou cobertas pelas poucas árvores) ou ao GPS.

O infinito, logo ali depois do Largo da Batata
Informações na rua
No Rio, você tem medo de perguntar, pois não sabe com quem está falando. Em São Paulo, você tem medo porque tem certeza de que receberá a informação errada. Invariavelmente, vão te responder: "eu não sou daqui".

Ipanema x Leblon x Copacabana
Amigo paulistano, nem toda praia é igual. Prova disso são as três principais da Zona Sul carioca. A mais badalada, a de Ipanema, é frequentada pela juventude dourada local e também a mais opressora para quem não está feliz com o próprio corpo. Para estar lá, é preciso ter IMC prõximo de 20. Já Copacabana é opressora pelo outro lado, o de ser democrática em excesso e até você poder ser considerado(a) bonito(a) lá. Já o Leblon reúne as melhoras coisas de cada um desses bairros.

Ipiranga
Quando a publicidade dos postos Ipiranga disse que o brasileiro é apaixonado por carro, certamente estava se referindo ao paulistano (nada mais SP do que um posto chamado Ipiranga), que, apesar de amar suas máquinas de quatro rodas, não se desapega de suas raízes do campo. Prova disso é a quantidade de carros estilo picape pelas ruas de São Paulo, dirigidas por gente que nunca pisou no barro na vida. Em São Paulo, mesmo os táxis são bem cuidados. Já o carioca liga tanto para o carro quanto para o aquecimento global, o que pode ser demonstrado pela quantidade de carros Santana 92 que ainda operam como táxis no Rio. Quando gosta muito de carro, o carioca compra um esportivo, de preferência com suporte para prancha de surfe, ainda que ele nunca tenha sequer tentado ficar em pé sobre uma na vida.

Janela
A prova de que paulistano não sente calor ou que não liga para essa coisa de respirar é que os ônibus só têm janelas da metade para cima, nunca ao nível dos passageiros sentados. (E, mesmo assim, as pessoas não se preocupam em abri-las.) Deve ser para garantir o seu direito de inalar a fumaça do ônibus da frente, cujo cano de descarga fica na mesma altura. No Rio, os ônibus sem ar-condicionado têm janela embaixo e em cima. E, ainda assim, morre-se de calor.

Lanche
A megalomania do paulistano é tão grande que ele chama qualquer sanduichinho de "lanche". O carioca expatriado ouve o paulistanão dizendo que vai pedir um lanche e fica pensando logo que vai chegar uma refeição da tarde , tipo um combo do McDonald's, com refrigerante, batata frita e um sundae para arrematar. Mas se decepciona quando vê o solitário sanduíche. Não bastasse isso, qualquer bar (ou restaurante) da cidade inclui sanduíches, quer dizer "lanches", em seus cardápios. Por isso, amigo carioca, se você acabou de mandar seu currículo para aquela vaga em SP, comece a amadurecer a ideia de comer um misto-quente (ou melhor, um "bauru", para ser mais local) junto com um chope depois do trabalho. Ou melhor, após o "trampo".

Leilão:
Tanto o taxista carioca quanto o paulistano fazem leilão na hora de escolher o passageiro para o seu carro. A diferença é que, no Rio, o objetivo do profissional (?) é escolher a corrida mais longa possível, para ganhar mais dinheiro e cortar caminho por Petrópolis. Em São Paulo, ele quer escolher a corrida mais curta, pois o trânsito é uma porcaria, não se chega a nenhum lugar em menos de uma hora, e ele já combinou de pegar um passageiro no Morumbi para levar ao Aeroporto de Guarulhos às 8 da noite. Embora ainda sejam 14h, ele não pode ficar muito longe, porque sabe que só vai conseguir voltar no dia seguinte.

Lotação
Em São Paulo, tudo lota. A cidade tem público para absolutamente qualquer coisa. Até campeonato de cuspe à distância, se um dia organizarem um. Qualquer evento, por mais que você se julgue alternativo (e ache que só você vai querer curtir aquela porcaria), tem ingressos esgotados nas primeiras horas, não importa quantos tenham sido colocados à venda, o dia da semana ou o tamanho do lugar. Para comprar qualquer ingresso em SP, só madrugando na fila (isso, se a compra for física, porque, pela internet, é impossível de qualquer forma). Se você não acha lógico passar mais tempo tentando comprar um ingresso do que vai durar o show, São Paulo não é lugar para você. No Rio, também é difícil comprar entradas para shows e afins, mas porque, mesmo que sejam na praia, metade do evento (ou mais) estará loteada para a área de "convidados" "VIPs".

Marginal
Bandido em caixa baixa no Rio, e quase tão xingada quanto em São Paulo, onde é palavra feminina e, portanto, caixa alta. No Rio, é o sujeito que vive à margem da lei. Em SP, são as avenidas que margeiam os rios Pinheiros e Tietê, das quais todos paulistanos reclamam, mas para quais todos eles correm para fazer qualquer trajeto, mesmo que seja da Avenida Paulista para a Vila Madalena (equivalente a ir de Copacabana para Ipanema, e pegar o Aterro).

Mate
Carioca, quer se sentir um ET? Peça um mate em qualquer restaurante em São Paulo. A melhor resposta que você conseguirá será: "Chá? Não, não temos." Se tiver Matte Leão em copinho, peça o diet. Duvido que tenha. Ah, e, se quiser um suco, não precisa pedir para vir sem açúcar. O mesmo não vale para o paulistano de dieta que quiser beber um suco no Rio. Aliás, o paulistano só entende a paixão do carioca pelo "matchiiiieee" quando bebe o doce líquido gelado na praia, extraído diretamente do latão, no copão "metade-limão-metade-mate".

Motoboy
Uma das primeiras coisas que quem começa a dirigir em São Paulo conhece é o corredor para motos. Não, eles não estão demarcados com tinta no asfalto, mas quem já tentou subir a Rebouças ou outra via com engarrafamento sabe que tem que deixar o espaço ao lado, entre você e outro carro, para as motos passarem, sob pena de perder o retrovisor lateral.

Motorista de ônibus
Justiça seja feita. No Rio, apesar do atendimento VIP (Very Inexpressive People) dado pelo cobrador (no caso, "trocador", conforme já visto), o motorista do ônibus (no caso, "piloto") faz serviços personalizados: é o seu motorista particular por R$ 3 a corrida. Basta fazer sinal em QUALQUER lugar da rua, que ele para. O mesmo vale para descer (no caso, "saltar") do ônibus. Em São Paulo, nem adianta pedir (e paulistano mesmo nem pede) para abrir a porta fora do ponto. (Como se fizesse uma grande diferença para ele, pois certamente já está parado mesmo.) E o motorista de ônibus em SP tem um prazer incrível em esperar o ponto ficar vazio para, só então, entrar no local oficial de embarque e desembarque, mesmo que o veículo coubesse antes. O segundo maior prazer do motorista paulistano é não te esperar quando te vê chegar correndo, atropelando as pessoas, atravessando a rua no meio dos carros, pois não sabe a hora em que ele vai passar de novo. É nesses momentos que ele aproveita para mostrar o poder que tem. A glória do carioca é conseguir convencer o motorista do ônibus de SP a abrir a porta fora do ponto.

Multas
O paulistano, quando vê um radar com limite de velocidade de 60 km/h, reduz a 25 km/h. O carioca passa com o dobro da velocidade permitida para não ser pego pela câmera, e depois recorre no Detran, para poder reclamar da indústria de multas. E usa a falta de segurança como desculpa para liberar a ultrapassagem do sinal vermelho de madrugada.

Nacionalismo paulistano
Se cariocas são ufanistas de si mesmos, o paulistano de raiz, apesar de toda a crítica que faz à cidade, bate no peito com orgulho para dizer que é a "locomotiva do país", ainda mais quando é 9 de julho, dia do feriado nacional paulista, que celebra uma batalha perdida, que, no fundo, queria mesmo era a separação de São Paulo do resto do país.

Nenê x Neném
Não precisa explicar, né? (Tá. No Rio, agora, é só Ném, Bebê.)

Nomes de ruas e avenidas
Em São Paulo, é possível encontrar ruas em extremos opostos da cidade com o mesmo nome. Da mesma forma uma mesma rua tem diversos nomes. Funciona, mais ou menos, assim: se a rua faz curva, é interrompida por uma ponte, cortada por um rio, um viaduto, uma parede, muda de mão, de sentido, de município, ela continua com o mesmo nome. Já aquela reta, que tem tudo para ser uma rua só, consegue ter uns seis nomes diferentes em menos de cinco quilômetros.

Nota fiscal
Válido também para qualquer outro documento legal que seja de direito seu. No Rio, o lojista se ofende quando você pede, e você ainda pode negociar um desconto se não quiser a nota. Em São Paulo, a maioria dos estabelecimentos, com raríssimas exceções, oferece. Exceto se você estiver no aeroporto, claro, mas deve ser porque os produtos lá são mais baratos mesmo.

Nove de Julho
Se os cariocas têm dois santos padroeiros e um feriado para cada, além do aniversário de fundação da cidade, o povo de SP mostra que é muito orgulhoso ao comemorar até hoje uma batalha que o estado perdeu: a Revolução Constitucionalista de 1932, que teve início em 9 de julho daquele ano. Prova da importância da data é que ela dá nome a uma avenida importante da cidade, feriado estadual, universidade, hospital, escola de samba, rádio, clínicas diversas, padaria... Enfim, não sabe que nome colocar no seu estabelecimento em SP? Chama de "Nove de Julho"! Na prática, como pouca gente na rua sabe do que a data trata, é só um bom argumento para ter um dia de descanso no estado mesmo, porque paulistas e paulistanos também são filhos de Deus, afinal.

Oficina mecânica
Paulista é tão orgulhoso, que, quando amassa o carro, leva o veículo no "martelinho de ouro", enquanto o carioca vai na lanternagem mesmo (outro nome inexplicável).

Ônibus
No Rio, ônibus não se pega, se conquista. É preciso demonstrar vontade para pegar o transporte coletivo, sair correndo atrás dele quando ele chega no ponto (porque, obviamente, ele parou a uns 30 metros de distância do local regulamentar). Do contrário, o motorista, se sentindo desprezado, ao te ver apenas andando em direção ao veículo, vai embora. Em compensação, quando um carioca te vê correndo para chegar no ponto onde o ônibus está parado, tenta segurar o mesmo, fazendo sinal, colocando o pé no busão, um pouco por solidariedade, outro tanto por malandragem mesmo. Muitas vezes, o passageiro carioca precisa ameaçar suicídio para garantir a sua locomoção: se joga no meio da rua, na frente do ônibus. Carioca escolado mesmo já tomou volta do motorista que correu por fora do ponto, aproveitando os outros veículos parados, algumas vezes na vida. Em São Paulo, o cidadão que está no ponto de ônibus enquanto você vem correndo, esbaforido(a), vai fingir que nem te vê. Ou não vai te ver mesmo. Mesmo que você seja uma senhora idosa de bengala, o motorista esperará, e a porta fechará na sua cara. O mesmo vale para elevador nas duas cidades.

Ônibus com ar-condicionado
No Rio, são essenciais, mas poucos para as necessidades da cidade, em poucas linhas (normalmente, apenas as que rodam na Zona Sul), não aceitam o "bilhete único" carioca (deve ser por isso que ele tem esse nome: é "único" mesmo) e, claro, não circulam no verão. Essa tradição de relativo conforto remete, claro, ao "frescão", ônibus executivo que circula pela cidade em linhas especiais (normalmente ligando a cidade aos aeroportos) e permite o uso e a exibição do sotaque carioca em sua melhor forma (favor pronunciar o "s" como "sh"). Sim, favor falar "freshcão". Em São Paulo, simplesmente não existem. O carioca recém-chegado a SP vai ficar todo pimpão quando vir um ônibus chegando com aquele telhadão branco onde deveria haver um aparelho de ar-condicionado de ônibus. Até descobrir que é só o telhado mesmo e que, se um dia houve um aparelho funcionando ali, ele já foi desativado, provavelmente porque o dono de empresas de ônibus de São Paulo têm certeza que não faz calor na cidade e porque, não fosse assim, ficaria impossível para o motor de um só ônibus carregar o veículo lotado e rebocando outros dois, para dar origem aos bizarros "biarticulados" (ver abaixo). O carioca que quiser ser olhado um cara estranho em São Paulo deve perguntar, assim que entrar no ônibus que tem o falso aparelho, "o ar-condicionado não está funcionando?".

Ônibus biarticulado
Quem acha aqueles ônibus sanfonados "coisa de primeiro mundo", quando vê pela TV as imagens de Curitiba ou de alguma país civilizado, nunca andou no trânsito de São Paulo, nunca precisou pegar um desses modernos veículos ou nunca foi ultrapassado por um deles na capital paulista. Da arte de improvisar qualquer coisa, o mesmo motor que carrega como gado a população em um veículo comum passou a transportar dois deles colados e, agora, três. Se estiver dirigindo, cuidado ao ultrapassá-los (ou ser ultrapassado, especialmente): você vai achar que é um trem passando ao seu lado. (Mas o motorista jura que está dirigindo uma moto.)

Padoca x Casa de sucos
O paulistano leva tudo tão a sério, que até as padarias ("padocas", na língua local), depois de virarem local do café-da-manhã, vêm se transformando em verdadeiros restaurantes para, com bufês a preço único (eu não disse "baratos"). Quem não entende por que o carioca não tem esse saudável hábito (café no balcão do botequim é outra coisa), é porque nunca tentou pedir algo pronto para comer numa padaria no Rio. O serviço é tão personalizado, que o garçom, quando existe (normalmente, é um atendente ruim do balcão "adaptado") traz o que ele quer e quando quer. No lugar da padaria, o carioca prefere a casa de sucos, onde, invariavelmente, poderá comer um "joelho", salgado massudo recheado com queijo e presunto (eu nunca disse que carioca come bem), talvez com ketchup. Outra opção carioca é a casa de mate, onde ele pode se sentir mais perto da praia, tomando um mate com limão, e comendo algum salgado ou pão-de-queijo, o que lhe parece mais saudável e adequado à sua preocupação com a saúde e com o físico.

Parabéns para quem?
Uma das diferenças mais constrangedoras entre essas duas quase-nacionalidades se revela na hora de celebrar o aniversário, na letra da música oficial, a começar pelo nome, que, em São Paulo, é "Parabéns a Você" (como é o nome oficial) e, no Rio, é "Parabéns pra Você". Outro detalhe sobre as diferenças na execução da música entre as duas cidades está na segunda parte: enquanto cariocas perguntam "e, pro fulano, tudo ou nada?" (ao que se espera que todos respondam "tudo!"), paulistanos, mais concisos, objetivos e um tanto pessimistas, perguntam "e, pro fulano, nada?", ao que se espera, da mesma forma, que seja contrariado com um sonoro "tudo!", para, então seguir para o "então-como-é-quié", que desemboca na infame polêmica já abordada entre o "é pique!" e o "é big!".

Passageiro
Carioca é tão íntimo dos ônibus que os chama pelo número. O paulistano não sabe sequer o nome, ou quais linhas passam naquele ponto. Primeiro, porque ele não pega ônibus. Depois, porque muda toda semana, sem avisarem a ninguém mesmo. Terceiro, porque ele não é "daqui". Afinal, ninguém nasceu em São Paulo, lembra? Apesar de o paulistano típico não andar de ônibus, o vivente de SP que faz uso deste confortável meio de transporte coletivo demonstra toda sua ansiedade da cidade ao ficar parado em pé na porta de saída durante toda a viagem, mesmo que só vá descer no ponto final. É o passageiro conhecido como "totem" ou "rolha". Já o passageiro carioca só lembra que ia descer depois que o ônibus está saindo do que seria o seu local de desembarque, e grita, sai correndo, e pede "piloto, dá uma abridinha aí". Vai descer, ô!

Passa lá em casa
O "passa lá em casa" que quer dizer exatamente o contrário já faz parte do folclore a respeito dos cariocas. E é verdade. (Morando em São Paulo, a frase muda para "avisa quando vier a SP", e o carioca passa a ouvir dos amigos do Rio que é para "avisar quando estiver por aqui", o que sabemos que dificilmente irá acontecer de fato.) Cabe aqui uma defesa rápida: embora o carioca nunca dê o endereço quando fala isso, a vontade dele de te encontrar é sincera (saca as "mentiras sinceras" do Cazuza?), só que a preguiça dele e a vontade de curtir a vida, seja por estar ocupado batendo palma para o pôr-do-sol no Arpoador ou simplesmente tomando uma cerveja enquanto a vida passa, são maiores. Mas ele gosta de você, tá? Já o paulistano, como sabemos, demora, mas, quando te chama, vai ficar te esperando. No horário. Atrase só uns 30 minutos, se quiser afirmar sua identidade carioca. Na verdade, o carioca não está marcando um encontro com um amigo quando ele sugere para se encontrarem, ele está apenas "marcando de marcar" algo, apenas para dizer que gosta do outro e que, se um dia se encontrarem novamente, será legal.

Paulista/Paulistano x Carioca/Fluminense
Carioca não sabe a diferença entre "paulista" (que nasceu no estado de São Paulo) e "paulistano" (que nasceu na cidade de mesmo nome, vulgo "capital"). Basta um carioca ir morar em São Paulo, que seus amigos da cidade de origem dizem que ele virou "paulista", ou que está com sotaque de paulista, como se houvesse um só para o estado (na cidade mesmo, há uma meia-dúzia de sotaques diferentes). Da mesma forma, o paulistano (e também o paulista) não faz ideia de que quem nasceu no estado do Rio é "fluminense" (nada a ver com o time, que pegou o adjetivo emprestado), e não necessariamente "carioca", nomenclatura específica de quem nasceu na dita Cidade Maravilhosa.

Pedestres
A prova de que São Paulo não é uma cidade feita para quem anda a pé é que não existem sinais (ok, "faróis", ou "semáforos") para pedestres (aquele bonequinho iluminado andando verde, ou parado vermelho) na maioria das esquinas da cidade. Se o sujeito estiver cometendo a audácia de fazer qualquer trajeto usando as próprias pernas pelas calçadas (?) paulistanas, ele deve fingir que é um carro também, e ver se a sinalização está favorável para os veículos que vão cruzar no mesmo sentido dele. Do contrário, só na sorte mesmo: dá uma olhada, reza e atravessa. Em vez de instalar os semáforos adequados, a prefeitura (na gestão Kassab, diga-se) resolveu achar que nossos motoristas têm educação europeia e lançar uma campanha para que os carros parem quando virem alguém esperando na faixa de pedestre. O resultado é que os carros não param, e os pedestres acham que os carros têm que parar nas faixas de pedestres de avenidas super movimentadas (que TÊM o sinal para pedestre) só porque o sujeito colocou o pé na faixa. No Rio, até existem a sinalização e o pedestre, mas este gosta de exercitar seu espírito de aventura e atravessa correndo no meio dos carros. Para o paulistano, o jeito para chegar ao outro lado é fingir que é carro e olhar para o sinal/farol/semáforo de carros da transversal para saber se pode seguir.

Pipoca
Outro choque cultural relevante pelo qual o carioca que vai morar em SP passa (o inverso ocorre com o paulistano que vai para o Rio, claro) é descobrir que a pipoca doce paulistana é rosa. Como dito no "verbete "groselha", a iguaria tem um papel fundamental na cozinha do paulistano, e é ela que dá sabor e cor à pipoca doce paulistana, enquanto o carioca usa achocolatado em pó (vulgo "Nescau") para a mesma finalidade. Não é à toa que "groselha" é sinônimo para sujeito chato em SP.

"Essa pipoca é doce, hein?"
Pipoca doce paulistana (à esq.) e pipoca doce carioca (à dir.)

Pizza
O paulistano que já tentou comer pizza no Rio entende por que os cariocas (alguns) colocam ketchup por cima da iguaria. (Afinal, depois do chocolate, nada melhor para o paladar infantil do que encher de molho de tomate doce aquele bloco de queijo com pão que os botecos do Rio servem e chamam de pizza.) Já em São Paulo, se até a pizza de portinha que só faz delivery (afinal, paulistano adora uma palavra em inglês, lembra?) é boa, não tente comer ou pedir este prato no horário de almoço. Você será considerado(a) um(a) herege, um(a) criminoso(a). E não vai encontrar nenhuma pizzaria aberta mesmo. (A exceção é o Pizza Hut, marca que quem já comeu pizza de SP questiona se merece o título de "pizzaria".)

Plural
Desconhecido dos paulistanos, maltratado pelos cariocas. Em São Paulo, quem determina "os plural" são "os artigo", o substantivo não muda, embora o paulistano goste de enfiar um "s" no fim das palavras aleatoriamente. É por isso que os cariocas imortalizaram a infame piada de que paulistano toma "um chopes" e "dois pastel". Só esqueceu de acrescentar que ele, o paulistano, veste "um shorts" quando está calor.

Poluição
Se tem uma coisa da qual paulistanos têm orgulho é da transparência, que, no caso, vai além (ou não) do atendimento de qualidade (estão aí as empresas de telemarketing para não me deixar mentir). Em São Paulo, ninguém pode reclamar que não vê o ar que se respira.

Ponte aérea
Principal ligação entre Rio e São Paulo, qualquer que seja sua renda: a diferença é que o pobre sempre aproveita as promoções de fim de semana para comprar a passagem, se possível combinando Dia das Mães com Natal, para "enganar" a companhia aérea, fingindo que vai para o Rio em dezembro e só volta em maio, e vice-versa, para aproveitar os descontos para quem fica mais tempo no destino. Se você encontrar um sujeito de sapato social, calça social, camisa social e meia branca (aquela de tênis) em São Paulo, não se assuste. Provavelmente, ele é carioca e é segunda-feira. Como o voo de volta do Rio atrasou, ele acabou esquecendo de trocar a meia. E agradeça por ele estar usando uma. Como São Paulo é uma cidade rancorosa e ciumenta, ela se vinga sempre que você decide deixá-la, mesmo que seja apenas por um fim de semana, colocando toda sua frota de carros para impedir que você chegue ao aeroporto, à rodoviária, ou mesmo a qualquer estrada, especialmente se o destino for o Rio.

Pontualidade
Pontualidade não é o forte do brasileiro, claro. E cariocas são mais patriotas do que os paulistanos, portanto, menos pontuais ainda. Se o paulistano atrasa uma ou duas horas para chegar a um aniversário, o carioca é capaz de chegar às 20h numa festa que tinha horário para começar às 14h. E a festa ainda vai estar bombando. Em todo caso, por mais que esteja acostumado com o engarrafamento, o paulistano sempre usa o trânsito como desculpa para quando se atrasa. O carioca já nem usa mais desculpa.

Praia
A diferença da intimidade que paulistanos e cariocas têm com o mar já fica clara quando cada um deles chega na praia. O cidadão do Rio já chega sem camisa (se for homem, claro). O de São Paulo, se puder, nem tira. Portanto, amigo paulistano, não adianta só disfarçar o sotaque. Se você pedir um "guarda-sol", pagará pelo menos três vezes o preço que os cariocas pagam para alugar o que eles chamam de "barraca" na areia. Fica a dica.

Preços
Hoje em dia, já é um mito aquele papo de que o custo de vida em São Paulo é maior do que no Rio e que, no Rio, só os aluguéis são mais caros. Depois que inventaram os bares e restaurantes do Leblon, paulistano nunca mais fica com saudades dos preços de casa quando vai ao Rio.

Profissionalização
São Paulo é a terra onde todo trabalho é levado a sério, todo mundo já disse isso. Tanto é que cidade não tem cambista, tem "corretor de entretenimento" (juro, já recebi um cartão de visitas com esse título). A mania de grandeza do paulistano é tão grande, que ele não contrata pedreiro, mas "empreiteiro", mesmo que o sobrenome não seja Camargo, Corrêa, Andrade, Gutierrez ou Odebrecht. Também foi São Paulo que inventou o "consultor de vendas" para substituir o vendedor, o "colaborador" para roubar lugar dos operários e o "operador de fotocopiadora" para tirar xerox. Também não deve ter traficante, mas "distribuidor de entorpecentes".

Público x Privado
O carioca é um funcionário público por natureza, mesmo que sempre tenha trabalhado em empresas privadas, nunca tenha feito um concurso público ou trabalhado na vida. O paulistano é um legítimo representante da livre iniciativa, exceto quando adere a movimentos de manada, como comprar um carro para ficar parado na Marginal.

Regras
Se tem uma coisa que paulistano(a) adora (além da 25 de Março, do engarrafamento e do ar poluído), é uma regra, mesmo que ela não esteja valendo. Prova disso é que, mesmo sendo permitido a carros particulares trafegar nos corredores de ônibus paulistanos aos domingos, você não vê quase nenhum veículo do tipo nas vias expressas nesses dias, mesmo que as pistas convencionais estejam com um engarrafamento infernal (que, sim, também ocorre aos domingos). E não é por cidadania. É por medo de tomar uma multa mesmo assim, caso as regras tenham mudado ontem e ele(a) não tenha sido informado. Na dúvida, melhor ficar com o carro parado(a), como já se está acostumado(a) em SP mesmo. O chato é que esse argumento do receio de tomar uma multa também serve para a maioria dos paulistanos ignorar solenemente a sirene da ambulância que está atrás, quando ele(a) está parado no farol/sinal vermelho. Já o carioca também tem uma grande preocupação com as regras. Para ter a certeza de quebrar pelo menos uma ao dia e poder contar aos amigos no chopinho mais tarde.

Religiosidade
Apesar de não ser respeitador dos símbolos religiosos como o cruzamento, o carioca é um evangélico nato. Deve ser por isso que chama de "meu irmão" mesmo o cara que ele acabou de conhecer. Mas, atenção: se quiser imitá-lo, não esqueça de fundir as palavras e pronunciar "merrmão", como se fosse um "mesmo" grande. O carioca percebe que está há muito tempo morando em São Paulo quando começa a chamar os desconhecidos de "moço" e "moça", quaisquer que sejam as idades deles.

Rivalidade Rio x SP
Grande bobagem que inventaram, birrinha no melhor estilo 5ª Série (do falecido 1º Grau) tal como a rivalidade dos brasileiros com os argentinos, e que os cariocas infelizmente levam mais a sério do que os paulistanos. Na prática, se manifesta mais no mundo das piadas do que na vida real, ainda bem. A grande diversão dos cariocas, quando um amigo se muda para São Paulo, é dizer que ele já está usando gírias e sotaque paulistanos (o que muitas vezes é verdade), chamando-o de "paulishta" (ignorando, portanto, que são coisas diferentes). Já no caso do paulistano recém-acariocado, o primeiro costume que ele incorpora é o uso do chinelo para tudo, seguido pelo de ir à praia antes do trabalho. E, logicamente, o de esfregar este hábito na cara dos moradores de São Paulo. Cariocas costumam sofrer represálias dos seus irmãos de naturalidade quando adotam São Paulo para morar ou quando admitem gostar da capital paulista.

Rodízio
Se hoje é o dia da semana do rodízio do seu carro em SP (como assim, você vive em SP e não tem um carro?!), te resta escolher entre tomar uma multa por circular fora do horário permitido, ou por trafegar acima da velocidade máxima tolerada, para tentar chegar ao trabalho antes de o rodízio começar. Também vale levar multa por ultrapassar o "farol" vermelho, pelo mesmo motivo. Tal como o trânsito (e por causa dele), é mais um das grandes desculpas usadas pelos paulistanos para tudo que dá errado na cidade. Acredite: todo mundo que mora em São Paulo e já precisou de serviços de assistência a domicílio, já teve que ouvir "ah, era dia de rodízio dele hoje, e ele não pôde ir/vai atrasar". Claro. Afinal, o rodízio foi criado naquela semana, ou só naquele dia o sujeito descobriu que era o dia da placa dele de ficar em casa. Ah, sim, e nem precisa dizer que o rodízio também serviu para a indústria automobilística vender mais carros ainda, já que quem pode aproveita para comprar um segundo carro só para ter outra placa e fugir do rodízio.

Roubos e furtos
Em São Paulo, só é chamado de "assalto" o episódio que tem como alvo o carro e os pertences de seu motorista. Faz sentido, frente à paixão que o paulistano tem pelo automóvel, em função justamente do tempo de vida que passa dentro dele. A verdade é que até os bandidos desprezam quem anda a pé em SP, e o potencial de lucro do meliante é muito maior se a vítima estiver num carro maneiro falando num celular caro. Além disso, se o cara decidiu passar a vida sem ter um trabalho oficial e dentro da lei, você não quer que ele enfrente um ônibus lotado, como são os de SP, para fazer um ganho "fácil", né? Até existe essa modalidade em SP (afinal, sempre existe o "nóia", hoje "noia", paulistano), mas é num nível bem menor do que no Rio, e em geral é considerado só (?) um "furto". No mais, nada mais humilhante para um carioca do que ser assaltado/furtado em SP. Mas acontece, eu garanto.

Roupa
Para onde quer que vá, o carioca parece que está sempre indo para a praia. Muitas vezes, está mesmo, ainda que tenha um emprego ou uma cerimônia de casamento antes para atrapalhar. Já o paulistano parece que está sempre indo para um casamento, ou para o trabalho, mesmo que esteja indo para um bloco de Carnaval (sim, eles existem). A boa desculpa do carioca é o calor da cidade, que impede de usar terno e outras roupas quentes com alguma dignidade, e praticamente exige o uso de mangas curtas para os homens e decotes agressivos para as mulheres, mesmo que o corpo não corresponda à sensualidade pressuposta por este tipo de vestimenta. Para o paulistano, é o inverso, o frio serve de justificativa para colocar mais e mais roupas. E ir tirando-as ao longo do dia, já que o tempo muda diversar vezes em 24 horas. Dizem que a mulher carioca se veste para sair com a primeira roupa que vê pela frente, enquanto a paulistana leva horas se arrumando. Isso é quase verdade. Metade do tempo que a mulher típica carioca perderia se vestindo, e experimentando cinco vezes a mesma roupa, é gasto na academia. A paulistana, como trabalha muito e tem menos tempo para sua vaidade, acaba precisando usar mais roupas para cobrir o prejuízo.

Samba
Não é exatamente justiça dizer que São Paulo ainda é o túmulo do samba. No entanto, não espere ver uma paulistana sambando com o mesmo gracejo da carioca. Paulistana samba com o dedinho pra cima e com o rosto, para um lado e para o outro. Sorrindo e de cabelo alisado. E poucas coisas dão tanta vontade de cometer suicídio coletivo quanto assistir desfile de escolas de samba em São Paulo, quando normalmente chove, para piorar. Paulistanos, desistam. Por favor. Vai ser bom para vocês. Torcida organizada não é escola de samba. Nem bicheiro deveria ser dono de uma, eu sei.

Sampa
Amigo carioca, esqueça. Só Caetano e cariocas sem a menor afinidade com São Paulo chamam a cidade assim. É cafona. Se quiser passar por íntimo ou fazer amigos em SP, reclame do trânsito, da poluição, essas coisas que todo cidadão local faz. Chame a cidade pelo nome (paulistano tem orgulho dele) ou, no máximo, pela sigla do estado (sim, é tecnicamente impreciso, mas funciona), SP, quando for se referir a São Paulo na forma escrita. Outra coisa: paulista e paulistano são coisas diferentes. (Lembra da aula dos "grupos" no Primário? Um está contido no outro, mas não é igual ao outro.)

Sanduíche
Pedir um sanduíche em São Paulo é um desafio. Não porque não existam boas opções. Muito pelo contrário. (Estou falando de escolher, não de comer.) São muitas opções. E (quase) infinitas categorias. Para começar, sanduíche é "lanche" em São Paulo. Dependendo do lugar onde você for comer, o cardápio oferecerá pelo menos cinco categorias para estes "lanches": hambúrgueres, cachorros-quentes (hot-dogs ou, simplesmente, "dogão"), baurus (qualquer sanduíche cuja base seja queijo, tomate e presunto), beirutes (no pão árabe, ou "sírio") e, até mesmo, "lanches" para todos os demais tipos. Isso, sem contar os nomes ainda mais afetados, como kebabs, wraps, tramezzinis e club sandwiches. No Rio, o díficil é encontrar um lugar para comer um sanduíche, e que seja bom, fora das grandes redes de fast-food e dos mistos-quentes das casas de sucos. Ou seja, também não valem os clássicos "sanduíches naturais" pré-embalados. (Ok, na praia, pode, e costuma ser bom, dependendo do(a) vendedor/sanduicheiro.)

São Jorge
Novo santo padroeiro do Rio, desde que o de dois verbetes abaixo desistiu da capital fluminense. Embora encontre representatividade na religião católica, a popularização de São Jorge no Rio está muito mais relacionada à sua representação na umbanda e em imagens vendidas em lojas "hippie chic" do Leblon para gente que nunca pisou num terreiro de macumba na vida. Por isso, andando pelo calcadão de Ipanema, você vai ver muita gente boa que não sabe a diferença entre São Jorge e Seu Jorge dizendo "Salve Jorge" ou usando camisetas do santo, como se fosse o Che Guevara versão colorida. Os culpados são os de sempre (calma, Sérgio Cabral, te aliviei dessa vez): Fernanda Abreu, Jorge Ben(Jor) e Caetano. Uma boa explicação para a repentina devoção carioca é que o suposto sincretismo deu origem a mais um "feriado nacional" municipal, dia 23 de abril, que, com frequência, acaba sendo colado ao 21 de abril, Dia de Tiradentes, feriado nacional. E tem poucas coisas de que o carioca gosta mais nessa vida do que saber que está de folga enquanto o resto do país, especialmente São Paulo, está trabalhando. (Meu sincero respeito por quem é realmente, e não por modismo, devoto do santo, qualquer que seja sua religião, a propósito.)

São Pedro
Uma explicação provável para os fenômenos climáticos desagradáveis de São Paulo (quando a chuva começa na sexta-feira e só acaba na madrugada de segunda-feira, quando chove horrores no verão, ou quando não chove nada no verão) decorrem de uma vingança de São Pedro por ter ficado ofendido de não terem dado o nome dele para a cidade.

São Sebastião
Não confundir com São Jorge. São Sebastião é o padroeiro oficial da cidade do Rio de Janeiro (na verdade, como nos é típico, uma gambiarra do fundador, Estácio de Sá, em homenagem ao rei Sebastião I) e um dos responsáveis por a cidade ter "dois aniversários" por ano, logo dois feriados (além do visto no santo anterior). Na verdade, o dia 1º de março é aniversário de fundação da cidade e, consequentemente, do estado (originalmente, da Província do Rio de Janeiro). Não é feriado, mas não há dúvidas de que seria feriado municipal se fosse aniversário só da cidade. Outro dia "da cidade" é o do santo padroeiro de fato, São Sebastião, em 20 de janeiro. Espertamente, foram escolhidas datas diferentes. Não à toa, o carioca que quer trabalhar acaba mesmo sendo forçado a se mudar para São Paulo. Obviamente, essas folgas não valem para jornalistas. Afinal, jornal tem que sair todo dia e, nessas horas, todo jornal acha que é nacional, mesmo o que só circula e é lido no Rio.

Segurança
Alguns paulistanos morrem de medo de ir ao Rio, ainda que boa parte deles só conheça a "cidade maravilha purgatório da beleza e do caos" (ABREU, Fernanda) pela TV. Já o carioca morre de medo de ficar no Rio e sem emprego. De perder a vida, ele não tem tanto medo, pois sempre conhece alguém que conhece alguém que conhece alguém, e sempre acha o Rio dele menos perigoso do que o da TV.

Seriedade
O paulistano médio se leva muito a sério, adora marcar uma reunião para decidir as coisas mais simples do ambiente de trabalho. Já o carioca, em especial o recém-chegado, está sempre procurando uma oportunidade, uma brecha, para fazer uma piada na mesma reunião. (Sim, especialmente numa reunião de trabalho.) E faz a piada de qualquer jeito, mesmo sem ter encontrado a tal brecha.

Seta
O motorista do Rio não usa a seta do carro porque, se ele acioná-la, com certeza o condutor ao lado (também carioca, por supuesto) irá acelerar para impedir a troca de faixa. São a esperteza e o egoísmo cariocas mordendo os próprios rabos. Agora, amigo morador de São Paulo, imagine essa cordialidade no encontro da Alameda Gabriel Monteiro da Silva com a Rebouças. Daria na 3ª Guerra Mundial, certamente. Ou seja, o trânsito de SP é ruim, mas seria muito pior se trocássemos todos os motoristas por versões cariocas. O motorista paulistano até usa a seta, a não ser que o único que vá se beneficiar da sinalização seja um pedestre, para saber se pode ou não atravessar a rua naquele cruzamento onde o carro vai entrar sem avisar.
Sinal/Semáforo/Farol
Diferença conhecida, mas que está longe de se limitar ao nome que paulistanos e cariocas dão para um mesmo acessório luminoso de sinalização de trânsito (enquanto alguns paulistanos falam "farol", e outros falam "semáforo", há ainda os que falam "sinal", como os cariocas, sob gloriosa influência da Globo).

Sinal (ou farol) amarelo
Em São Paulo, ele significa "atenção, devagar". No Rio, quer dizer "corre para passar logo, ou o sinal vai fechar e você vai ter que ficar parado esperando abrir de novo, que nem um idiota!", e, como diz a música, cariocas não gostam de sinal fechado. E o amarelo piscante? "Corre, corre, corre, foge daqui, nem olha pros lados!"

Sol
Como diz Adriana Calcanhottto, cariocas não gostam de dias nublados. No Rio, o Sol é adorado, um Deus, louvado a cada esquina (quase tanto quanto o ar-condicionado no verão), mesmo por quem derrete para ir ao trabalho de novembro a março, pois sabe que vai ter praia no fim de semana. Em São Paulo, apesar de ter pouca utilidade em meio a tanto concreto, as pessoas adoram reclamar quando ele se ausenta, como se a presença dele fosse fazer alguma diferença positiva, tipo permitir atravessar ir à rua e dar um mergulho, e não apenas matar todos como que num forno a lenha. Pensando bem, paulistano adora reclamar.

Sotaque
Tá, esse é o mais óbvio. E o mais divertido é que tanto cariocas quanto paulistanos acham que falam o "português correto". Antes que algum deles diga que a comprovação de que a sua forma de falar é a certa "porque é a que está na propaganda do Extra", é bom saber que mesmo a publicidade tem versões diferentes para as duas cidades, duas populações enganadas, coitadas. Afinal, ninguém está aqui nesse mundo para perder dinheiro.

Versão paulistana de propaganda do supermercado Ésstra:


Versão carioca do mesmo comercial, só que do Êishtra:
*A dúvida é sobre qual é a voz de verdade da apresentadora e qual comercial é dublado (provavelmente, o do Rio, que fala "o maior Natal de todossshhh" e parece ter escolhido os locutores na praia de Ipanema, ou na Tijuca).

Sotaque carioca
Famoso pelo seu chiado, especialmente para falar o "s" e seu arranhado para falar o "r", especialmente em palavrões, influências claras da colonização mais concentrada na origem portuguesa. Sem variações significativas de uma região para outra da cidade, é possível encontrar gente com sotaque mais e menos carregado em diferentes pontos da capital fluminense, embora reze a lenda de que a proximidade com o mar e a consequente maresia da Zona Sul influenciem a fala mais lenta e mais afirmativa do sotaque. Entre os mais antigos e mais tradicionalistas, especialmente no subúrbio, é comum encontrar gente querendo "falar bonito" e pronunciar todas as letras dos dígrafos que formam o som de "s", e falam "eu 'naici' no Méier", "isso é uma 'eis-ceção'". Quando você ouvir um(a) carioca falando com outro(a), vai achar que ele(a) está na praia. Ele(a) também, mesmo que seja no Centro da cidade, tamanha a malemolência da fala.

Sotaque paulistano
Embora o carioca adore imitar, dificilmente consegue fazê-lo com sucesso porque a capital paulista comporta sotaques e gírias incrivelmente diferentes, variando por região, origem, profissão e até time de futebol, sendo todos considerados genuinamente paulistanos e encontrados misturados por toda a cidade. Na Mooca e no Bixiga, por exemplo, predomina a influência italiana na fala, estilo Adoniran Barbosa e Tancinha (da novela Sassaricando, de 1987). Nas baladas na Vila Olímpia, você vai encontrar as falas mais anasaladas e exibidas com relação aos "r" e "s", e gente que adora enfiar um "i" no meio dos fonemas anasalados, como "einteindo" e, por isso, a paixão pelo gerúndio, que permite seu uso sem limites. Na Zona Leste mais humilde, nasceu o sotaque dos manos, que carrega junto todo um vocabulário próprio. (O que não quer dizer que não tenha uma pá de playboys que falem feito motoboy, tradicionalmente manos.) Se aproximando dos limites da cidade, a caminho de São Bernardo do Campo, já é possível encontrar o sotaque do interior, carregado no "r" de palavras como "porta", "porteira", "árcool" e "tarco". Se o carioca parece que está sempre na praia quando fala, o paulistano parece sempre que está te ligando para vender algo, tipo um plano de saúde ou TV a cabo.

Táxi
No Rio, invariavelmente, o taxista irá puxar assunto com você. E, qualquer que seja o peso, tamanho ou idade, vai te contar que ontem recebeu uma loira muito gostosa como passageira e ela quis pagar a corrida com serviços sexuais (depois que ele deixou o namorado dela em casa, claro), e ele, meio a contragosto (pois, afinal, isso acontece todo dia nessa excitante carreira no Rio), acabou topando. Em São Paulo, os taxistas acham que estão no inverno europeu, qualquer que seja a época do ano, e te olham com cara de ET (você será o alien, no caso) quando você pede para ligar o ar-condicionado. Possivelmente, dirá que o aparelho está quebrado, ou ligará, mas deixará um pedaço da janela dele e/ou do carona abertas. Da mesma forma, é óbvio, ele vai deixar a calefação ligada antes mesmo de você entrar, assim que a temperatura atingir menos de 20 graus Celsius. Afinal, o sonho dele é dirigir táxi em Londres. Se puxar papo ou já estiver com o ar ligado quando você entrar no carro, as chances são grandes de ele ser carioca.

Taxista
Taxista no Rio não te leva a um lugar, ele te "dá carona". Afinal, o carro é dele. Ou seja, ele vai por onde quer, para onde quer (te deixa no meio do caminho se avistar uma corrida mais interessante), dirige como quer. E te cobra por isso, claro. (Sim, este verbete é continuação do último, que já estava grande demais.) De modo geral, o taxista de São Paulo é mais honesto do que o do Rio. Até porque, vamos combinar, não é muito difícil. E também porque, em São Paulo, se o cara tenta enrolar o caminho, certamente ele vai pegar uma alternativa muito pior e um engarrafamento maior ainda, o que é prejuízo para ele. Pegar um táxi qualquer (fora das filas das cooperativas locais) na rodoviária ou nos aeroportos do Rio é certeza de ser roubado. O mínimo e o melhor que pode te acontecer é o taxímetro estar adulterado e a corrida dar uns 50% a mais, ou o dobro mesmo. Se você pegar o táxi da fila, pelo menos, já sabe de quanto será o roubo, pois o preço é tabelado. Ah, enquanto o taxista de São Paulo te pergunta que caminho você "prefere" (afinal, ele precisa ter a quem culpar quando ficar parado, e também porque muitas vezes não faz ideia de como chegar lá mesmo), o do Rio fica ofendido se você sugere algum trajeto e sempre faz o que ele quer, na velocidade que lhe (a ele) agrade. Quando o taxista carioca pergunta por onde você quer ir, ele só está testando se você é da cidade, para decidir se corta caminho por Petrópolis ou por Jacarepaguá para ir para o Centro. Só não espere que o taxista de São Paulo acate a sua sugestão de percurso sempre, principalmente se você for carioca, mesmo que a sua proposta seja indiscutivelmente melhor. A pergunta dele é meramente retórica. E é uma ofensa para o motorista paulistano que você conheça melhor a cidade do que ele.

Teatro
O carioca conversa durante a peça e atende o celular. Em São Paulo, tem cada vez mais cariocas indo ao teatro.

Tênis
O calçado que o carioca usa para trabalhar, muitas vezes sem meia ou com meia branca, é usado pelos paulistanos, esses pragmáticos, para a sua finalidade original, que é se exercitar, na academia ou no parque durante o fim de semana.

Trânsito
O trânsito de SP pode até andar, mas foi feito para ficar parado. O trânsito de SP consegue ser ruim e imprevisível ao mesmo tempo, pois, no mesmo horário no dia ou na semana seguinte, pode estar pior, muito pior. Ir de carro pode até te permitir chegar rápido, de vez em quando, mas o normal é você ficar estacionado no mesmo lugar. Há até uma tese de que, um dia, o trânsito de SP vai parar de vez e a solução será encher as ruas de asfalto ou concreto e começar tudo de novo, numa nova camada acima da atual. O paulistano vai dizer que não gosta, mas ama. Não fosse assim, não ficaria tanto tempo nessa relação. Nem compraria ou trocaria de carro com tanta frequência. Já o carioca diz que o Rio não tem engarrafamento, com exceção do caminho para a (e da) Barra da Tijuca. A diferença é que o carioca gosta de bater no peito para dizer que tem a oportunidade de ficar parado na orla, na Lagoa ou no Aterro do Flamengo, com suas vistas sensacionais. (E tem mesmo.) Ou pode mandar mensagem para o amigo que mora em São Paulo dizendo que está na praia, mesmo que seja mentira. Ou ainda que seja verdade.

Sim, essa imagem é do Brooklyn. Mais precisamente, do Brooklin Novo, em SP,
inspirado na Estátua da Liberdade, monumento da Barra da Tijuca, no Rio.
(De emergentes e loucos, as duas cidades têm um pouco.)
Transporte público
Todo carioca pega, já pegou ou um dia vai pegar ônibus, trem ou metrô na vida. Até porque é nesses meios de transporte tão dignos no Brasil que o carioca aprende as primeiras lições de malandragem, como passar por baixo da roleta ("catraca" em São Paulo). Em São Paulo, pegar transporte público é "coisa de pobre", ou de carioca que mudou para a cidade mas não trabalha no mercado financeiro, já que todo mundo, inclusive quem ganha bem menos do que você, tem carro (o resultado disso pode ser visto na fluidez diária das ruas). Além de a cidade ser maior, é impossível saber que ônibus pegar somente perguntando no ponto. Afinal, ninguém é "daqui".

Trocador
Carioca, vide "Cobrador".

Ufanismo carioca
O comportamento dos cariocas para louvar as qualidades da sua cidade (sobretudo quando direcionado a paulistanos ou a cariocas que moram em SP) chega a criar alguns indivíduos acometidos de uma doença chamada "ufanismo carioca", que pode provocar cegueira, perda de olfato e de memória, pois o sujeito deixa de enxergar os defeitos da cidade (em casos mais graves, passa a ter orgulho deles), não sente o cheiro de sujeira na rua e esquece que o Rio não é mais capital federal (tem pouco tempo, dá para entender). O carioca acha, até hoje, que, se algo vai errado, Deus ou o governo federal (nesta ordem) farão algo para resolver. Uma das manifestações desse ufanismo é o sujeito, derretendo de tanto calor, postar fotos da praia no Facebook para louvar a beleza da cidade num dia de sol escaldante, mesmo que ele esteja derretendo dentro de um ônibus logicamente sem ar-condicionado.

Verão
Assim como faz com o calor, o paulistano acha que não existe verão em São Paulo. Isso até podia ser verdade nos anos 1940, quando a cidade não tinha tantos prédios, tanto concreto e asfalto. Hoje, é um forno a lenha quando passa de 30 graus. E passa, por mais que o paulistano negue.

Verde
Não é verdade que São Paulo não tem áreas verdes. É só procurar uma placa de direção nas ruas de SP para se deparar com uma árvore enorme, e não podada, em frente a ela. Ah, e tem também o Palmeiras, claro.

Violência
Não é verdade que o Rio é mais violento do que São Paulo. Só acredita nisso quem não conhece direito uma das duas cidades. A diferença é que a violência no Rio é democrática: ocorre na cidade toda, sendo ainda mais grave nos morros e nas comunidades (as "favelas" de antigamente). Em São Paulo, como a "periferia" realmente mora na periferia da cidade, a grande mídia praticamente ignora o que ocorre no dia a dia das "quebradas". De qualquer forma, é difícil dizer qual cidade está em pior posição.

Vista
A prova de que paulistano não liga mesmo para isso é a quantidade de prédios cuja "vista" é o prédio do lado e a vista para a rua é destinada à área de serviço. Sim, a área. (Na verdade, "lavanderia" porque paulistano é chique.) Enfim, pode ser também só porque o paulistano pensa sempre na qualidade de vida da sua empregada doméstica. Esses prédios construídos "de lado" são da década de 1970 e 1980, dizem, mas não se surpreenda se vir algum mais novo em construção tendo o apartamento com vista para dentro do condomínio como o mais caro entre os projetados. Já o carioca gosta tanto de vista, que vai te vender um apartamento "de vista para o mar", ainda que precise subir num banquinho, colocar a cabeça para fora e se entortar um pouco para ver o horizonte.

Vocativos
Enquanto o paulistano te chama de "mestre", "professor", "doutor", sem te conhecer muito e mesmo que você não tenha qualquer um desses títulos, o carioca te chama de "viado", "escroto", "safado", quanto mais você for amigo dele, mesmo que você não tenha qualquer uma dessas orientações sexuais.

Vogais
No Rio, as vogais são: á, é, íiiiii..., ó, ú, sempre estendidas, especialmente se no fim da palavra e da frase. Em São Paulo, as letras que representam os sons vocálicos são: â, ê, î, ô, û. E não adianta, amigo carioca. Quando você falar "é" para soletrar algo, o paulistano vai responder (tentar te corrigir, na verdade) perguntando "ê?". Também nem tente falar "doze" como os paulistanos. Eles sempre vão perguntar "dois?" quando vier de um carioca. Aí, você será forçado(a) a falar o carioquíssima "dôuze". Difícil saber quem está provocando quem, no caso.

Zona Leste
O carioca meio desligado e meio competitivo que passa muito tempo em SP fica com uma certa inveja da divisão da cidade por regiões e se pergunta por que o Rio não fala da Zona Leste como os paulistanos falam da sua. Vamos dar um tempo para você pensar, ou voltar para a 1ª Série (hoje, 2º Ano do Ensino Fundamental) e lembrar da Rosa dos Ventos que a tia ensinou a fazer... É porque a Zona Leste no Rio é o mar, amigo(a). Portanto, não tem nada que o Rio ame mais do que a sua Zona Leste (e de poder compará-la à de SP, sem qualquer desmerecimento do povo que mora nela). Em São Paulo, quase igualmente amada, pois fala muito sobre a cultura e especialmente as gírias do paulistano, a Zona Leste, ou simplesmente "Zê-éli" ou "Zolé", é uma região originalmente menos favorecida do que os Jardins, e onde mora também um tipo bem específico paulistano, o sujeito do Tatuapé, que valoriza suas raízes paulistanas. Não à toa, foi onde nasceu o estilo "mano" e suas derivações.

Zona Norte x Zona Sul
A distinção entre essas duas regiões da cidade é original e tipicamente carioca, e foi reforçada ao longo dos anos pela televisão, por suas novelas e por uma bela dose de preconceito do próprio carioca, que distinguía a Zona Sul abastada, abestada e cheia de autoestima (o Rio que aparece na TV e nas propagandas sobre a cidade, considerado "típico", mas distante da realidade da maior parte da população da cidade) da Zona Norte humilde, trabalhadora, berço do samba e da malandragem carioca. Durante muito tempo, as novelas da Globo ajudaram a levar esses conceitos (e valores) da Zona Sul para o resto do país e acabar influenciando o próprio desenvolvimento (e o preconceito) de outras cidades do país, como São Paulo, que, como é grande demais, tem gente com e sem grana em todas as regiões da cidade (a Zona Leste hoje tem o Jardim Anália Franco), dificulta a consolidação deste tipo de rótulo. Com a separação cultural e geográfica entre Zona Sul e Zona Norte no Rio, quem faz com que muitos cariocas de uma região não queiram ir até a outra só para se divertir, os bares de uma região acabam se expandindo para a outra, para aproveitar a fama depois que saem no Rio Show do Globo.

Zona Oeste
Diferente do que fazem os governantes fluminenses e administradores municipais cariocas há uns 400 anos, a Zona Oeste acabou ficando para o fim por uma questão de ordem alfabética e não por ter sido esquecida. (Será que eles usam o mesmo dicionário que eu e, por isso, deixaram a região para nunca fazerem nada lá?) Hoje, é a região mais pobre e violenta do Rio, berço das milícias, depois que o carioca voltou a valorizar a Zona Norte e ficou "cult" atravessar o túnel. Em São Paulo, a Zona Oeste é região de classe média, que engloba Perdizes, Pinheiros, Pompeia (e, provavelmente, algum outro bairro que não comece com a letra "p"), mas também o bilionário Jardim Europa, onde moram os políticos que passaram pela prefeitura da cidade nos últimos 400 anos.

Em último caso, como identificar se o sujeito é paulistano ou carioca? Coloque-o em frente a uma dessas catracas de acesso a prédios comerciais com a portinha ao lado aberta. O carioca é o que vai usar a portinha, mesmo que ele tenha um crachá e trabalhe no prédio.

*Devido ao sucesso (ou não) desse post, "vamos estar atualizando" o mesmo conforme algumas dicas sejam recebidas ou mesmo de acordo com a memória e os novos registros do autor. Portanto, fiquem à vontade para entrar aqui sempre, pois o risco de ter novidades é alto, ou simplesmente para xingar o blogueiro porque você perdeu a última piadinha.

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